O Ministério da Saúde deu mais um passo para o avanço do Plano de Reestruturação dos Hospitais Federais. A Ministra Nísia Trindade assinou, na última a sexta-feira, o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), conforme adiantado pelo O GLOBO. Com a mudança, o Hospital Federal dos Servidores (HFSE) passará por uma integração com o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, pertencente ao Ministério da Educação, dando origem ao novo hospital universitário.
— É muito importante a reestruturação por que se trata de recuperar a excelência, mas também colocá-la a serviço do Sistema Único de Saúde. Não podemos deixar de fazer essa transformação esperada há tanto tempo e que foi muito adiada. O modelo de gestão dessas unidades é fragmentado e ao longo das décadas foi amplamente discutido. Tivemos excelentes áreas de especialidades, de cirurgiões, por exemplo. Queremos recuperar isso e colocar integrado ao SUS. Como ministra, vejo essa ação como um novo marco para a assistência hospitalar — afirmou Nísia.
Atualmente, as unidades têm juntas 480 leitos ativos. Com a fusão, serão 500 leitos à disposição do sistema de saúde, de acordo com o planejamento da pasta.
O presidente da Ebserh, Arthur Chioro, disse ao Globo que o processo de fusão está em fase de planejamento conjunto, com o objetivo de realizar um estudo técnico para avaliar a viabilidade da integração. A análise incluirá um diagnóstico completo das duas unidades, com revisão de documentos e visitas técnicas, para assegurar que a integração seja conduzida “com base em dados sólidos e um entendimento profundo das necessidades de cada instituição”.
— Estamos estabelecendo um acordo que vai nos permitir abrir diálogo para podermos trabalhar o processo de fusão. Estamos em um planejamento conjunto visando a criação de um estudo técnico para saber se a integração é ou não viável. Vamos aprofundar o diagnóstico situacional, com análises de documentos e visitas técnicas nas duas unidades com base em dados sólidos e um entendimento profundo das necessidades de cada instituição.
Futuro das unidades federais no Rio
O Ministério da Saúde vem intensificando os debates e negociações sobre o futuro dos seis hospitais federais (Andaraí, Bonsucesso, Cardoso Fontes, Ipanema, Lagoa e Servidores) do Rio de Janeiro. Nos últimos quatro meses, a pasta implementou mudanças significativas, como a municipalização do Hospital do Andaraí, realizada em julho, a transferência da administração do Complexo Hospitalar da UFRJ para a empresa pública Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), no mesmo período, além da transferência do Hospital Federal de Bonsucesso para o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), oficializada no Diário Oficial em 15 de outubro.
A quarta grande intervenção do Ministério da Saúde foi a assinatura do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre a UniRio, a Ebserh, o Ministério da Educação e o Ministério da Educação e Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, que definirá os critérios para a fusão do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, localizado no Maracanã, na Zona Norte, com o Hospital Federal dos Servidores (HFSE), situado no bairro da Saúde, na zona central da cidade.
Inédita, a proposta é transformar a unidade federal em uma extensão do Hospital Universitário vinculado à UniRio e administrado pela Ebserh. A nova unidade deverá se chamar Hospital Universitário do Rio de Janeiro.
Entre os motivos para essa mudança estão a proximidade entre as unidades, o perfil complementar e a possibilidade de ampliação de leitos. De acordo com avaliação interna, o prédio histórico do Gaffrée, tombado pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), já não comporta mais a unidade de saúde e dificulta melhorias no atendimento. Ao GLOBO, o presidente da Ebserh, Arthur Chioro, já havia manifestado interesse em assumir a unidade federal.
— Há uma tendência internacional de fusão de hospitais, pois eles precisam de adensamento tecnológico, ou seja, de capacidade para resolver grandes problemas. Tanto o Hospital dos Servidores quanto o Gaffrée enfrentam o desafio de serem hospitais de alta complexidade. Temos um hospital universitário com graves problemas estruturais, tombado como patrimônio histórico, o que traz grandes desafios para a modernização da sua infraestrutura, a ponto de quase não justificar o investimento necessário. Seria preciso um investimento muito alto para torná-lo funcional como um hospital do século 21. Por outro lado, temos um hospital federal altamente qualificado, com uma infraestrutura importante, mas, como todos sabem, com problemas de gestão que vêm afetando cronicamente a capacidade desse hospital de atender plenamente a população do Rio de Janeiro — afirmou Chioro.
Nos bastidores do governo, discute-se que o acordo colaborativo será apenas a primeira etapa para que o processo de fusão se concretize, visto que seus termos já estão bem avançados. Segundo Chioro, um estudo de viabilidade será realizado em seis meses pelas partes envolvidas, a fim de estabelecer o perfil assistencial do futuro Hospital Universitário da UniRio. Para isso, o processo requer três etapas: autorização da reitoria da universidade, aprovação do Ministério da Educação e da Ebserh. Parte dos processos, no entanto, já vem sendo articulado e deve ser anunciado oficialmente pelo Ministério da Saúde nas próximas semanas.
O reitor da UniRio, professor José da Costa Filho, disse ao GLOBO que a eventual fusão ainda depende de estudos complementares. Ele defende que, a médio prazo, com a incorporação de novas tecnologias e investimentos em infraestrutura e pessoal, a fusão poderá posicionar as unidades entre os três maiores e mais relevantes hospitais universitários públicos do Brasil.
— Primeiramente, é importante explicar que o acordo existente é de cooperação técnica, para estudar e preparar informações e documentos que subsidiem a discussão dentro de nossa comunidade universitária. Por meio dele, saberemos com precisão sobre a quantidade de leitos disponíveis, ativos e paralisados, questões contratuais com empresas e convênios, entre outros pontos importantes. A fusão, portanto, depende dos resultados desse estudo, que verificará sua viabilidade e se será realmente benéfica para a nossa Universidade. A partir do resultado desse acordo de cooperação técnica, teremos clareza sobre o mapa de riscos e as oportunidades que essa fusão poderá representar — afirma o reitor, complementando: — É claro que esse grande potencial para contribuir com as políticas públicas de educação e saúde nos motiva, mas não queremos nos precipitar. A fusão é algo complexo e desafiador, e, se ela de fato se concretizar, terá necessariamente passado por todas as etapas de estudos, debates e esclarecimentos, para que esse futuro com que sonhamos seja plenamente alcançado.
Estrutura defasada
O GLOBO visitou, nesta segunda-feira, as dependências do Hospital Universitário e flagrou graves problemas de infraestrutura, como alas inteiras de enfermaria em salas sem ventilação adequada, infiltração e mofo por toda parte, macas amontoadas no pátio, aparelhos de ar-condicionado presos às janelas quebradas e emaranhados de fios pelos corredores do casarão, além de um laboratório improvisado próximo ao auditório.
A unidade sequer possui uma área de coleta seletiva. Os resíduos são colocados pelos funcionários da limpeza em um depósito na área externa do pátio. Isto porque o hospital não tem autorização para fazer obras ou modificações em suas dependências.
O Hospital Universitário Gaffrée e Guinle está totalmente inserido na regulação de leitos e serviços do SUS, sendo o hospital federal que mais oferece serviços ao Sisreg. Atende as áreas básicas como clínica médica, obstetrícia, pediatria e maternidade de alto risco, cirurgia pediátrica, CTI neonatal, CTI adulto, tomografia computadorizada, radiologia intervencionista, mamografia, ultrassonografia, cardiologia, oncologia e cirurgias oncológicas, neurocirurgia, hemodiálise, hematologia, cirurgia plástica, neurologia, neurocirurgia, cirurgia torácica, proctologia, ginecologia, nefrologia e urologia, além de ser referência no tratamento de Aids e alta complexidade de saúde auditiva com implante, pediatria.
Segundo a reitoria, orçamento anual de custeio da unidade subiu em 2023 de R$ 18 milhões para R$ 44 milhões, em função de uma negociação com o Ministério da Saúde, em que foi considerada uma nova metodologia de cálculo baseada em capacidade operacional e complexidade, em vez da tabela SUS, que, de acordo com a administração da unidade, está desatualizada e não cobria os custos. Em 2024, a Ebserh fez um aporte de mais R$ 10 milhões (já havia feito um de R$ 22 milhões em 2022). Isso possibilitou que o Hospital Universitário quitasse todas as dívidas históricas de água e energia e com empresas terceirizadas.
— Temos, em nossa gestão, fortalecido o diálogo entre a Reitoria e a Superintendência do Hospital, que tem, em diferentes espaços, inclusive em reuniões com diferentes segmentos da Universidade e audiências públicas, prestado contas do que tem sido feito. Além disso, muitas atividades de ensino, na graduação e na pós-graduação, de pesquisa e de extensão da UniRio são realizadas no Gaffrée e Guinle. Tudo isso continuará no novo Hospital Universitário caso a fusão efetivamente se concretize, inclusive com maior abrangência e diversidade — explicou o reitor José da Costa Filho.
Ao todo, a unidade tem 1526 funcionários, sendo que 53% trabalham no regime jurídico único, ou seja, são servidores da Unirio — 47% dos profissionais são empregados concursados da Ebserh. O local tem capacidade para 224 leitos, mas apenas 170 em funcionamento. Conta com dez salas cirúrgicas, e apenas oito em uso. Por dia, o hospital chega a atender, em média, mil pacientes entre os turnos da manhã e tarde no setor ambulatorial. A universidade oferece ainda 40 programas de residência médica e oito de pós-graduação e mestrado.
Estrutura do Hospital dos Servidores
O Hospital dos Servidores do Estado (HSE) foi erguido em maio de 1934, sob a denominação de Hospital dos Funcionários Públicos, quando, por iniciativa do ministro do Trabalho Salgado Filho, o presidente Getúlio Vargas assinou decreto destinando recursos para a sua construção. Localizado na Zona Portuária, a unidade, que atende pacientes de todo o estado, está em situação ainda mais grave. O local não realiza exames de cateterismo por falta de equipamento. Quatro leitos do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) no 11° andar, 76 leitos de enfermaria, 15 leitos de cirurgia geral e seis salas de cirurgia geral estão fechados por falta de mesa cirúrgica, macas e equipamentos básicos.
O HFSE conta atualmente com 370 leitos, sendo 79 fechados por falta de médicos. Quando foi inaugurado, a unidade tinha capacidade para 450 leitos. Entre as especialidades estão gestão de alto risco, tratamento oncológico, hematologia, pediatria, cardiovascular, tratamento para doença renal crônica com hemodiálise, atenção psicossocial, transplante de rins, córnea e esclera, alta complexidade, atendimento especializado para pacientes com obesidade mórbida e saúde bucal.
A unidade federal tem capacidade para 18 salas cirúrgicas, mas hoje apenas 16 estão em funcionamento. Além disso, o hospital possui 38 programas de residência médica.
De acordo com o relatório dos hospitais federais, elaborado pelo Ministério da Saúde logo quando a nova gestão assumiu, o HFSE sofre com falta de RH, falta de manutenção predial, obras embargadas e parque tecnológico defasado.
Resultado da fusão
De acordo com a Ebserh, caso a fusão seja concretizada, a empresa pública terá um contrato de 20 anos para administrar o novo hospital universitário, que terá atendimento de média e alta complexidade. Juntos, as unidades vão oferecer cerca de 500 leitos, 42 programas de residência médica, além de gestão de alto risco com atendimento em oncologia, pediatria, centro de parto normal, e tratamento de Aids.
— Com o acordo firmado, os recursos se juntam. Não haverá novo dinheiro. Vamos conseguir fazer a gestão da unidade com os recursos já existentes. Para modernizar vamos fazer uma série de intervenções, mas, não há, neste primeiro momento, perspectiva de ampliação de gastos públicos — diz Arthur Chioro.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que “o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) não se trata da possibilidade de uma unidade de saúde ser incorporada a outra, mas sim, de uma integração entre as duas unidades”. Segundo a pasta federal, “a proposta de colaboração será entregue à instituição de ensino, a quem cabe a aprovação, por meio do Conselho Universitário, com data a ser acertada”.
— É uma cooperação técnica entre a Ebserh, a UniRio e o Ministério, que vai buscar um diagnóstico e uma integração dos hospitais. Com essa integração, a gente consegue superar as limitações que o atual hospital Gaffrée tem para ampliar leitos e serviços, e também reativar todos os serviços fechados no Hospital dos Servidores, ampliando novos serviços e qualificação, por exemplo — explicou o secretário-adjunto da Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Nilton Pereira.
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