POR MOHEMA ROLIM* — Diante do aumento de 460% de desastres climáticos no Brasil desde a década de 1990, do estudo “2024 – O Ano Mais Quente da História”, realizado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, percebemos que os efeitos das mudanças climáticas não são um problema do futuro, eles já estão entre nós. Mesmo quem não acredita no aquecimento global decorrente, principalmente, da ação humana, é capaz de perceber as mudanças no regime e na precipitação das chuvas, o aumento dos períodos de calor, o avanço das águas em cidades litorâneas e o aumento do período de estiagem.
Com o efeito das mudanças climáticas em curso é inegável, também, a ameaça à extinção de diversas espécies, seja pelo derretimento das geleiras que causa escassez de alimentos aos Ursos Polares, ou pelo aumento da estiagem que expõe e facilita a caça do Peixe-Boi-da-Amazônia, ou pelo aumento da temperatura para os répteis que não têm a capacidade de autorregular a temperatura corporal. Parece igualmente evidente que todos esses fatores podem causar danos à vida humana. Porém somos a espécie homo sapiens e temos a nosso favor a capacidade de adaptação que possibilita a existência da vida humana, apesar das condições adversas.
Mas, somos todos iguais? Sim, do frágil ponto de vista das capacidades cognitivas avançadas, mas, definitivamente, não estamos todos no mesmo barco, não partimos do mesmo ponto, não temos os mesmos obstáculos, nem o mesmo tempo e, principalmente, não temos as mesmas condições de moradia.
Então, não, não estamos todos com igual acesso à adaptação climática. As pessoas mais ameaçadas, as que vivem em condições de vulnerabilidade social, estão mais profundamente lançadas aos efeitos das mudanças climáticas e dependem, basicamente, da sorte. E aqui falamos de uma combinação de circunstâncias que podem ser fatais, e para essas pessoas é como estar no lugar errado e na hora errada, o tempo todo. São das comunidades e favelas os CPFs que alongam as listas de mortos, feridos e desabrigados, dos que perderam tudo o que tinham. É neste espaço onde o Poder Público investe menos em infraestrutura urbana e estratégias de mitigação – e é também onde o socorro demora mais a chegar.
No Brasil, aproximadamente 4 milhões de pessoas residem, atualmente, em áreas de risco, segundo dados do Ministério da Integração e do Serviço Geológico. Vários estados têm enfrentado chuvas intensas que resultaram em mortes, desabrigo e prejuízos bilionários. As enchentes no Rio Grande do Sul deixaram mais de 200 mortos e milhares de famílias desalojadas. Em janeiro, o secretário nacional de Proteção e Defesa Civil reconheceu a situação de emergência em 10 municípios nordestinos, localizados na Bahia, Ceará, Paraíba e Piauí, por estiagem e seca.
É necessário e urgente que o poder público invista na melhoria da infraestrutura urbana com construção de sistemas de drenagem eficientes para prevenir enchentes, construção de diques, muros de contenção e barreiras naturais em áreas suscetíveis a enchentes e deslizamentos, além da melhoria dos acessos viários. É urgente, ainda, o reforço nas moradias por meio da implementação de programas de reforma para melhorar a estrutura de casas em áreas vulneráveis, assim como a implementação de sistemas de alerta precoce e informação, com investimento em tecnologias para monitoramento em tempo real de condições climáticas e capacitação de comunidades para que estejam informadas dos riscos e consigam agir em emergência. Neste cenário, são igualmente relevantes os investimentos na recuperação ambiental, além da conservação de zonas de amortecimento natural como manguezais e pântanos.
Tudo isso, porém, só é possível com políticas públicas bem desenhadas, legislação eficaz e recursos significativos. As parcerias institucionais entre governos, ONGs, universidades e setor privado também contribuem na criação de soluções de adaptação e financiamento de projetos sociais. Em um cenário onde os riscos climáticos se intensificam, fica evidente que a geografia da insegurança reflete uma desigualdade que vai além da economia e afeta a própria sobrevivência. É preciso repensarmos nossas cidades para garantir que o lugar onde se mora não seja um fator que amplifique o perigo, mas, sim, um espaço de proteção e resiliência e, sobretudo, um direito acessível e protegido para todos.
*Gerente de Programas da ONG Habitat para a Humanidade Brasil