GUSTAVO MENON — Docente de relações internacionais na Universidade Católica de Brasília (UCB) e no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (Prolam-USP); WAGNER IGLECIAS — Docente em políticas públicas na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) e no PROLAM-USP
Amanhã, dia 15, comemora-se meio século da retomada das relações diplomáticas entre Brasil e China. Apesar de terem laços desde a primeira metade do século 19, inclusive com missões militares e acordos de cooperação, Brasil e China não foram grandes parceiros comerciais até o início do século 21. Os dois países mantiveram relações até 1949, quando o governo brasileiro rompeu com a nascente China comunista e deslocou seu pessoal diplomático para a embaixada brasileira em Tóquio, no Japão. A retomada das relações diplomáticas ocorreu somente em 1974, em plena ditadura militar no Brasil e durante o governo de Mao Tse-Tung na China.
Aquela iniciativa ocorreu no âmbito da retomada das relações entre vários países da América Latina e Beijing, muito influenciadas pela reaproximação entre os governos da China e dos Estados Unidos, que tiveram na visita de Richard Nixon à capital chinesa em 1972 o seu gesto mais simbólico. Na mesma época, não somente o Brasil, mas também Argentina, Peru, México e Venezuela reataram laços com o país asiático.
Naquele contexto, as embaixadas do Brasil em Beijing e da China em Brasília foram inauguradas, em 1975. Aluízio Napoleão de Freitas Rêgo foi o primeiro embaixador do Brasil na nação asiática, enquanto Chang The-Chun foi nomeado pelo governo chinês para ser o embaixador em Brasília. Tais eventos marcaram o início de uma nova era nas relações diplomáticas entre os dois países, estabelecendo uma ponte para o fortalecimento dos vínculos políticos, comerciais e culturais.
Dos anos 1970 até a virada do século, Brasil e China estabeleceram diversos acordos de cooperação em áreas como educação, cultura, ciência e tecnologia. Após o fim da URSS e da Guerra Fria (1989-1991) e da prevalência dos Estados Unidos no cenário mundial, interessava ao Brasil atuar pela construção de uma ordem mundial multipolar, enquanto a China buscava avançar em sua estratégia de abertura econômica ao mundo. Não é por acaso que o gigante asiático foi admitido, em 2001, como membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), contando com o apoio de Brasília durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, o aprofundamento das relações econômicas entre os dois países só se intensificou a partir de 2003, sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva.
A partir de 2009, a China se estabeleceu como o principal parceiro comercial do Brasil, com o comércio bilateral atingindo US$ 36,1 bilhões naquele ano. As cifras têm mostrado um crescimento constante, alcançando US$ 157,5 bilhões em 2023, o que representou um terço do comércio exterior brasileiro. A Parceria Estratégica Global entre as duas nações tem fortalecido diálogos cooperativos em fóruns multilaterais como G20, Basic e Brics, promovendo acordos em áreas como comércio, infraestrutura, investimentos, agricultura, energia, meio ambiente, educação, ciência e tecnologia, além de debates sobre a revisão dos mecanismos de governança global, proporcionando maior participação para as economias em desenvolvimento e abrindo espaço geopolítico ao chamado Sul Global.
Os dois países têm desenvolvido, ao longo das últimas décadas, uma relação de complementaridade econômica: de um lado, o Brasil consolidou-se como importante fornecedor de commodities à China; de outro, a China tem sido uma exportadora fundamental de bens industrializados ao Brasil. Desde meados dos anos 2000, o Brasil está acumulando sucessivos superavits comerciais com a China, mas tem passado também por um forte processo de reprimarização de sua estrutura produtiva, tendo no parceiro asiático um mercado fundamental para o fornecimento de soja, minério de ferro, petróleo cru e proteína animal. Ao mesmo tempo, a chegada ao mercado brasileiro de um sem-número de bens manufaturados produzidos na China tem exercido forte impacto na indústria nacional, inclusive com a desestruturação de algumas cadeias produtivas.
No aniversário de 50 anos da retomada das relações entre China e Brasil, espera-se que os dois países aprofundem sua aliança estratégica e possam diversificar sua relação econômica. Investimentos chineses até agora focalizados, em grande medida, nas áreas de infraestrutura e energia poderiam, no médio e longo prazos, ser direcionados a outras áreas, como telefonia 5G e 6G, big data, cidades inteligentes e outros setores da economia brasileira, ajudando a impulsionar um potencial processo de (neo)industrialização do país. De qualquer maneira, as duas maiores nações em desenvolvimento nos hemisférios Ocidental e Oriental, Brasil e China, podem juntas abrir o caminho para a construção de uma ordem mundial multipolar de paz e com ganhos mútuos para ambas, para a América Latina e para o mundo.
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