Diretor da Yescom critica boom da corrida de rua no país: ‘Está uma várzea’

Thadeus Kassabian, diretor da Yescom, organizadora da Meia Maratona do Rio, Maratona de São Paulo e Volta da Pampulha, afirma que a o ramo da corrida de rua no país está “uma várzea”.

Ele diz que com o boom da modalidade aumentou o número de corredores que não se preparam para as provas, assim como o de organizadores que não oferecem estrutura segura ao corredor.

Afirma que não há nenhuma fiscalização por parte das federações de atletismo e que a associação de organizadores de corrida de rua, a Abraceo, é ineficiente, sem função.

— Polêmico? Sim. Mas sou credenciado para falar sobre isso porque eu sigo as regras. É preciso haver cultura, respeito — fala Thadeus. — E cada um tem de fazer a sua parte. A organização é obrigada a oferecer estrutura segura e explicar como será o serviço de saúde nas corridas. As federações de atletismo têm a função de fiscalização. E o corredor tem de estar apto para a distância escolhida. O problema é há furos de todos os lados. Por isso sou a favor de mais rigor em todas as frentes. A gente precisa subir o safarro.

Thadeus ainda aponta o dedo para as crews e/ou assessorias que se reúnem em grande número para treinões, “na rua e sem nenhuma ambulância, nada”. E critica assessorias de treinamento e venda de planilha online sem profissionais de Educação Física como responsáveis.

— E se uma pessoa é atropelada num treinão desses nas ruas? Outro dia tinha um treinão com cerca de 700 pessoas nas ruas do Centro de São Paulo. Tem treinão com 200, 300 pessoas e que ainda cobra taxa, como uma prova. Mas como é treinão não põe ambulância, não precisa de Permit e foge da regra.

Permit é uma autorização técnica obrigatória para a realização de corridas de rua no Brasil, emitida pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) ou pelas federações estaduais.

Veja os tópicos principais:

Empresas não cumprem regras

As empresas precisam estar preparadas, estruturadas e seguir as regras da CBAt. A corrida de rua é uma modalidade do atletismo. Precisa ser oficial, ter permissão e os regulamentos precisam ser claros. Com esse conjunto de ações, os riscos aos atletas começam a diminuir. Mas não é bem assim que acontece.

Os processos de atendimento médico nas corridas de rua, por exemplo, mudaram muito. Enquanto organização técnica, as empresas têm obrigação de acompanhar a evolução do atendimento médico. Em um passado não muito distante, uma ambulância atendia um evento. Hoje, existem regras, da confederação brasileira e da internacional. E uma parte das empresas não cumpre. Não cumpre mesmo e economiza no serviço médico como um todo. Inclusive empresas credenciadas e que se dizem preparadas para isso.

Se os organizadores quiserem, fazem direito. E também existe uma briga entre os organizadores de corrida de rua que é a “minha corrida é maior que a sua” e de “sucesso a qualquer preço”.

Responsabilidade do atleta e assessorias

Tem atleta que começa a correr hoje, se inscreve em uma assessoria, põe meta pessoal e em pouco tempo quer correr meia maratona. E tem atleta com o mesmo pensamento que nem treinamento básico tem. Isso é muito comum. As pessoas precisam se preparar sim, fazer exames e etc. para não descobrir que tem algo na hora que se sentir mal.

O que ocorre também é furo nas assessorias e equipes de treinamento. Elas têm obrigação de ter um profissional com CREF (com registro no Conselho Regional de Educação Física). E tem assessoria que não tem. Tem gente que vende planilha de treinamento online sem nenhum responsável técnico. E o treinador é um impulsionador deste processo. E, claro, tem muita gente séria. Assim como tem muita assessoria boa, com gente capacitada.

Atestado médico

Eu sou a favor desta exigência sim. Sou a favor de um controle melhor, de mais rigor. E falo de todos os lados. Do lado do atleta, que precisa ter a documentação correta, mas também do organizador que precisa de todas as permissões. Cada um tem de fazer a sua parte.

Hoje o corredor assina um termo de responsabilidade, declarando que goza de boa saúde, quando vai se inscrever. Ok, é uma confirmação. Mas, trata-se de um documento genérico, que abrange outros assuntos como direito de imagem. Acredito que, ao exigir uma declaração de saúde, algo “específico sobre saúde”, assinada por um médico, o rigor será maior.

Exigir o atestado médico, assinado por um profissional da saúde, significa que este profissional também se responsabiliza, assim como o corredor. Ambos estão dizendo que o corredor está apto para a distância escolhida. O organizador não tem como dizer isso, é responsabilidade do atleta e do médico.

Porque tem de tudo… No dia 29 de junho, em São Paulo, na Corrida do Superman, um corredor caiu a 20 metros da linha de chegada. Foi atendido. O irmão teve uma mesma situação. Em comum, usaram um pré-treino indicado por alguém.

Abraceo e Permits

A Abraceo, da qual também faço parte, não fiscaliza nada, não ajuda em nada, e não evolui em nada. É sério o assunto. E tem organizadores filiados que são contra pagar Permit. Alegam que pagam Permit e não são fiscalizados.

Ou seja, dentro da própria associação existem frentes diferentes. Inclusive, quando foi fundada, um dos pilares era brigar contra o Permit. Fui testemunha em uma reunião, em que tive de separar quase em vias de fato, dois integrantes com ideias diferentes. Eu não sou contra a Abraceo, não sou contra ninguém. Estou falando sobre um fato.

A Yescom paga Permit. E já ouvi “está louco, ninguém paga”. Mas eu não sou ninguém, sou a Yescom.

Fiscalização

As federações de atletismo precisam fiscalizar e não o fazem. É a entidade que emite o Permit e por isso tem obrigação de fiscalizar quem pagou. E mesmo quem pagou, não têm fiscalização.

Quem está tentando colocar ordem na casa e criando as regras é a CBAt. E os presidentes de federações estaduais, pertencentes à CBAt, têm uma luta hercúlea para fiscalizar. Não conseguem. E o que acontece? Tem muito organizador picareta se aproveitando disso, assim como tem Prefeitura que faz evento e também não tem a permissão da CBAt.

Comércio paralelo de inscrição

Na Volta da Pampulha do ano passado tivemos um caso de um atleta que teve uma parada cardiorrespiratória e foi parar no hospital. Ligamos para a família. Atendeu a pessoa que cedeu o número para o atleta que havia passado mal. E ele falou: “não, eu não estava lá. Cedi o número para meu amigo.” O médico respondeu: “Se alguma coisa acontecer com ele, você também será responsabilizado e eu serei testemunha”. E são vários casos de gente que passa número para outro. Não pode.

Importância do kit

As principais provas do mundo não dão nem camiseta. Por outro lado, tem uma questão cultural. O brasileiro gosta de um brinde. Assim como gosta de cuidar do outro, também gosta de ser cuidado. Colocar itens no kit virou uma prática de carinho, reconhecimento. Mas não é obrigatório. Tem o pensamento: “poxa paguei o kit”. Não, na verdade, o corredor pagou a inscrição para uma prova. Ou seja, pagou pela organização, água, medalha, banheiro, equipe de som, médicos, segurança e etc. É isso que tem de exigir.

Pipocas

Em 2016, a São Silvestre colapsou: 30 mil inscritos e 15 mil pipocas. Faltou água, faltou tudo. Chamei a equipe da prova e disse que era preciso controlar o acesso. Falou-se que não ia dar certo. Bloquemos as ruas de acesso e brigamos com os pipocas. A corrida de 2017 foi um sucesso. A rua é pública? É essa a argumentação? Acabamos de ganhar uma ação contra uma empresa de fotografia que registrava nossos eventos sem autorização. A alegação deles é a mesma dos pipocas: que a rua é pública. Essa empresa, por sentença, não pode fotografar mais os nossos eventos. A questão é, se a rua é púbica, a organização não precisa pagar mais taxas, nem pagar Permit. Colocará 20 mil pessoas correndo na rua e fará premiação na praça.

Boom da corrida

Eu vivo disso, é o meu único emprego. Eu trabalho direito e sigo as regras. Eu continuo porque sigo as regras e ofereço o melhor para o atleta. Se ele gosta ou não do meu produto é outra coisa. Eu ofereço experiência e infraestrutura. Esse é o meu papel enquanto empresário e empresa. Não estou ranzinza e não trabalharei assim, estou sendo apenas honesto com o que acontece hoje em dia. É preciso muita educação, instrução… Claro que tem muita gente séria nesse sistema como um todo. Muita gente boa. Mas há muito oportunismo. Quando falo tudo isso é porque quero nivelar por cima, subir o sarrafo. E que fique no mercado quem pode, quem é competente.

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