As concessões de água e esgoto para a iniciativa privada caminham para uma “segunda onda” no Brasil, diz o diretor de Planejamento e Relações Institucionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Nelson Barbosa, responsável pelas áreas de estruturação de projetos da instituição de fomento.
Quando, em 2016, o BNDES iniciou uma mudança estratégica na sua atuação em infraestrutura, com mais ênfase na estruturação de concessões do que no financiamento direto aos investimentos, o saneamento básico foi logo definido como prioridade, antes mesmo da aprovação do novo marco regulatório do setor, em 2020.
Das primeiras concessões que abrangiam grandes áreas metropolitanas, como a do Rio, o banco agora se volta para projetos menores, em localidades que têm dificuldades de comportar concessões convencionais, cujo modelo econômico é todo sustentado na cobrança da conta de água.
Para esses casos, o modelo de parceria público-privada (PPP) surge como alternativa para atrair o capital privado, afirma Barbosa. Nas PPPs, o governo concedente paga uma contrapartida ao operador privado. Segundo o diretor, que foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo de Dilma Rousseff, o setor privado tem demonstrado interesse em investir também nesse modelo.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista que Barbosa concedeu ao GLOBO.
Quais foram os aprendizados com a evolução da estruturação de concessões de saneamento no Brasil?
Houve uma primeira onda de projetos, que foram projetos grandes, o do Rio principalmente, muito focados no valor da outorga (valor que o investidor paga ao poder concedente pelo direito de explorar uma infraestrutura). Agora, a maioria dos projetos se move para estados que têm uma estrutura com menor cobertura (de saneamento). O desafio do investimento é maior. Nesses projetos, a importância da outorga diminui.
Se colocar uma outorga muito grande, a tarifa fica muito elevada. E se começa também, em alguns lugares, a se estudar não concessões, mas PPPs, em que o estado vai pagar uma contrapartida, porque só a receita tarifária não é suficiente para sustentar os investimentos requeridos.
Nesta segunda fase, diminui a necessidade de participação do setor privado?
O que tem em comum entre a primeira e a segunda fases é o diagnóstico, feito lá atrás com o marco do saneamento, baseado na ideia de que o setor privado consegue fazer investimentos sem aumentar as tarifas, promovendo a universalização.
De onde vem essa ideia? Da hipótese de que o setor privado vai conseguir reduzir custos, ser mais eficiente, vai reduzir inadimplência, que é um problema, e vai reduzir perdas de água. Então, com uma mesma tarifa, haverá um lucro maior, que possibilita o investimento e a expansão, sem comprometer a qualidade dos serviços.
Vamos começar a ver isso nos projetos que já foram leiloados e estão em andamento. Na segunda leva, em alguns casos, como nas PPPs de esgoto na Paraíba e em Goiás, se identificou preliminarmente que a concessão pura não seria o modelo adequado.
Há um modelo mais adequado para a maioria dos locais?
O BNDES não tem modelo preferido. Estudamos concessão plena, que atua na produção e distribuição de água, concessão parcial, como é o caso do Rio, que se concede a distribuição, mas a produção de água segue com o estado, ou as PPPs.
Quem diz o modelo não é o BNDES, são os clientes. O que temos visto agora é que os clientes têm começado a optar mais por PPP do que por concessão.
E como estão vendo o modelo de PPP?
Tem lugares em que a estatal (de saneamento) está interessada em fazer PPP porque ela não tem capacidade imediata de executar aquele investimento ou de executar a operação. Agora, o principal fator para determinar se é PPP ou concessão é o impacto do modelo na tarifa.
Quando, na tarifa resultante, o preço acaba sendo além do que é calculado como o que a população tem capacidade de pagar na cobertura adequada, então tem que optar por PPP.
Qual será modelo para as PPPs?
Rio Grande do Norte foi o primeiro que focou bastante só em PPP. Em Goiás, temos uma PPP de esgoto. Ali, o desafio é aumentar a cobertura.
Será possível atrair o setor privado?
Trabalhamos para isso. O setor privado também tem demonstrado interesse em participar no modelo de PPPs.
Na concessão do Rio já se fala em reequilíbrio do contrato, por causa de estimativas em desacordo com a realidade, segundo as concessionárias. Isso será inevitável nas próximas concessões?
Sempre quando nos movemos para a concessão, as primeiras têm uma incerteza, porque não há casos anteriores como guia. Isso aconteceu nas rodovias e nos aeroportos. Agora, esses modelos estão em implementação, é natural que apareçam algumas discrepâncias aqui e ali.
Isso deve ser negociado com que o poder concedente e com quem ganhou a concessão. Não é a primeira vez que isso acontece, nem é o único caso. Sempre que você começa a concessão de algum setor, há esse tipo de debate.
O modelo de contrato das concessões recentes, como o do Rio, facilita a solução desses problemas?
Todo contrato já tem uma matriz de risco e diz como devem ser encaminhados os pedidos de reequilíbrio. Não só em saneamento. Todo contrato de concessão tem isso.
Recentemente, o leilão do Piauí foi adiado. Não sinaliza falta de interesse do setor privado pelas concessões?
Acho que é um caso localizado. O projeto do Piauí não fomos nós que estruturamos, então não tenho os detalhes. O setor tem falado em ajustes, e o momento talvez não seja o ideal.
O projeto de concessão na região metropolitana de Porto Alegre terá de ser modificado por causa das enchentes que atingiram a localidade em abril e maio?
O projeto já tinha sido entregue ao prefeito, para definir qual será o modelo e passar pelas instâncias de autorização municipal. Estava nesse estágio. E aí, antes das enchentes, até por ser um ano eleitoral, provavelmente, o prefeito ia deixar para fazer isso na próxima administração.
Os estudos ficaram prontos no ano passado, aí entrou o calendário eleitoral. Nosso trabalho foi feito, foi entregue o estudo. Agora, com as enchentes, obviamente, afetou. Esses projetos calculam a necessidade de investimentos com base na estrutura existente. Dado que a enchente danificou essa estrutura, temos que fazer uma reavaliação. Agora, quem tem que decidir isso é o poder contratante, não o BNDES.
As primeiras concessões têm conseguido fechar pacotes de financiamento, com o BNDES e o mercado financeiro privado. Isso muda na segunda fase de concessões?
Do ponto de vista do mercado financeiro, tem funding necessário para financiar todos esses projetos que estamos estruturando. O volume do mercado financeiro é bem amplo. O mercado de debêntures de infraestrutura tem tido demanda mais do que suficiente. Ou seja, o mercado tem funding.
O que tem gerado algum debate no setor é que alguns players já assumiram várias concessões e podem estar com sua capacidade de endividamento tomada. E aí precisamos de novos players. É o mesmo debate que houve em rodovias e aeroportos.
Nosso trabalho não é só estruturar o projeto, mas fazer o road show (apresentações para investidores) e procurar novos investidores, no Brasil e fora do Brasil. Mais do que funding, é achar novos players que queiram entrar nesse negócio.
Na avaliação do BNDES, a falta de ‘players’ para investir já preocupa?
Normalmente, esses players são holdings e trazem outros investidores. Eles mesmos estão procurando. Ainda não preocupa.
Atualmente, o BNDES trabalha no desenho de mais dez concessões e PPPs na área de saneamento. O projeto de Sergipe é o mais próximo de ir a leilão. No total, os dez projetos atingem 36 milhões de pessoas e exigem R$ 99,5 bilhões em obras.
10 projetos e R$ 99,5 bi em obras
Segundo o diretor Nelson Barbosa, o BNDES pretende acrescentar à carteira mais um ou dois novos grandes projetos até o fim deste ano.
Veja os planos do BNDES nessa área