Agência da ONU para refugiados manda ajuda para estrangeiros no RS

Nos próximos dias, serão desembarcados no Rio Grande do Sul 100 kits para montar um tipo de abrigo temporário, chamado tecnicamente de unidade habitacional para refugiado (RHU, na sigla em inglês), um misto de tenda e casa pré-fabricada. Os equipamentos estão vindo da Colômbia. Essa é uma das medidas que a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) coordena para dar assistência a cerca de 42 mil estrangeiros que vivem no Rio Grande do Sul, sob proteção do governo brasileiro.

A Acnur não tem um balanço de quantos refugiados foram afetados pelas enchentes que arrasaram o estado, mas, com a ajuda de parceiros brasileiros, busca identificar cada um deles nos abrigos públicos e nas listas de desalojados das prefeituras. Cerca de 35 mil integram o Cadastro Único de Programas Sociais (CadÚnico), o que facilita a identificação e a localização.

“É uma tragédia na tragédia. Eles vêm de perseguição política, violência ou catástrofes naturais em seus países. Agora, precisam sobreviver a mais esse drama”, disse a oficial de Proteção do Acnur Brasil, Silvia Sander.

O escritório está preocupado com a segurança dos refugiados que estão em abrigos públicos e com as dificuldades que enfrentam para garantir a subsistência das famílias. Há, inclusive, relatos de xenofobia e racismo sofridos pelos imigrantes.

Nacionalidades

Mais da metade dos refugiados no Rio Grande do Sul é venezuelana. São 29 mil pessoas registradas no Brasil que deixaram o país vizinho por perseguição política ou para fugir da grave crise econômica da Venezuela. Depois, estão haitianos (12 mil pessoas) e cubanos (1,3 mil).

Quando as chuvas começaram a provocar estragos no Rio Grande do Sul, há quase duas semanas, os parceiros da Acnur no estado iniciaram a mobilização para dar assistência aos estrangeiros. Muitos deles ainda têm dificuldade com o português e entender as mensagens do poder público sobre situações de emergência. Outra prioridade dessa rede de proteção é viabilizar a emissão de documentos perdidos nas enchentes.

“A Acnur também tem um grupo com mais de 50 organizações comunitárias lideradas por refugiados — como a Associação de Haitianos no Rio Grande do Sul. Essas organizações começaram a receber pedidos de apoio e oferta de solidariedade. Estamos mapeando os abrigos”, explicou Silvia.

A chegada das unidades residenciais provisórias — comuns em campos de refugiados no mundo inteiro — indica a preocupação das Nações Unidas com a duração da crise humanitária gaúcha. Após as águas baixarem, haverá um longo período de reconstrução. Prefeitos já falam em mudar bairros inteiros de lugar. E os abrigos públicos que estão recebendo desalojados funcionam de forma improvisada, sem estrutura para longas permanências. Por isso, a Acnur quer providenciar locais com infraestrutura para acolher as pessoas por vários meses, se for necessário.

A Acnur ainda negocia com as prefeituras e com o governo gaúcho um local para montar a “cidade dos deslocados”. Como cada habitação temporária pode receber até duas famílias de quatro pessoas, o complexo poderá abrigar uma população de cerca de 800 refugiados por um período mais longo.

Outra medida, essa voltada para a segurança dos estrangeiros, é a possibilidade de organizar abrigos exclusivos para essas populações, que sofrem racismo e xenofobia. A agência da ONU está mapeando os locais onde essas violações estão acontecendo para ter uma dimensão do problema.

“Xenofobia, racismo e outras discriminações têm gerado conflito nos abrigos. À medida em que esses espaços seguem de forma improvisada, riscos de violação tendem a aumentar”, lamentou Silvia.

Discriminação

Brasília recebe, entre hoje e amanhã, representantes dos países latino-americanoS para a Segunda Consulta Temática do processo de Cartagena 40 — mecanismo consultivo sobre a questão dos refugiados no continente. As Nações Unidas identificaram, nos últimos anos, um movimento sem precedentes de deslocamento de pessoas na América Latina — são 23 milhões de pessoas que deixaram suas cidades de origem e 973 mil com status de refugiados. Os principais responsáveis por esse fenômeno na América do Sul são Venezuela, Colômbia e Equador.

Para o chefe de Relações Externas da Acnur nas Américas, Juan Carlos Murillo, a xenofobia e o racismo são os maiores problemas para os migrantes. “Infelizmente, a reação das pessoas (aos estrangeiros) tem mais a ver com a cor da pele. É uma situação perversa com os migrantes, que acabam sendo bodes expiatórios de outros problemas da sociedade”, lamenta.

Raul Velloso: O diagnóstico macro é que está errado

Correndo atrás de dinheiro farto, o governo insistiu bastante na defesa da reoneração tributária, mas acabou se vendo instado a trocar um tanto mais de desoneração sobre a folha de pagamento de vários setores pelo fim completo do benefício apenas em 2028.

A insistência na busca de uma solução que, no lado fiscal, atuasse apenas pelo lado do aumento de arrecadação (ou da redução da desoneração tributária, o que dá no mesmo, ambos sugadores de poupança e, portanto, de investimento privado) para solucionar a crise macroeconômica que vem atingindo o país há algum tempo (ou seja, frente ao temor de que se perca definitivamente o controle do crescimento da dívida pública), revela a tendência de ocorrer algo que muitos, como eu, temiam. Ou seja, que dificilmente o governo atual tentará sair da enrascada em que está metido desde seu início via medidas que operem exclusivamente do lado do corte de gastos correntes, que seria o caminho ideal.

Agora, ele continua tentando convencer os mercados de que chegará, em breve, a uma solução eficaz para o problema central, ainda que essa operasse apenas do lado da receita e que demorasse um tanto para fazer efeito pleno. E não importa que o instrumento escolhido, que tem a denominação exótica de “arcabouço fiscal”, seja difícil para a média das pessoas entenderem.

Outro ponto importante que cabe enfatizar, mas que o governo não parece ter percebido, é que constatado o elevadíssimo peso a que chegou o super-rígido item previdência no gasto público total, notadamente no caso em pauta — isto é, o federal, que passou de 19,2 para não menos que 51,8% do total no curto período entre 1987 e 2021 —, o governo não parece ter se dado conta da igualmente super-rígida estrutura do grosso dos demais gastos federais correntes, deixando de lado apenas dois itens insignificantes da superminoritária pauta de gastos discricionários — o investimento em infraestrutura e o custeio geral. Estes, há pouco, representavam apenas 3,1% do total, ou seja, tinham praticamente zerado.

O X da questão é que, por volta de 2021, a parcela restante de 45,1% do total dos gastos federais se referia a gastos correntes em grande medida “imexíveis” ou “obrigatórios”, tanto quanto a previdência. Só que, no caso, muitos deles gastos mínimos em boa medida determinados por “vinculações” rígidas de receita, ou valores obtidos — como no caso de educação e saúde — pela aplicação de percentuais fixos da arrecadação tributária, levando aos seguintes pesos dos gastos individuais no total: educação (6,5% do total gasto) e saúde (10,1%). Em adição, surgiram novas prioridades, como assistência social (16,4%), sem falar no velho pessoal ativo (12,1%). Daí, o subtotal de 45,1%, que, somados aos gastos previdenciários, nos levariam a 96,9% da verba toda.

Quem seria tão maluco politicamente para propor uma redução desses percentuais, exceto previdência como solução?

Assim, a única saída seria dar um passo na direção do equacionamento definitivo do problema previdenciário federal, envolvendo pelo menos a zeragem do passivo atuarial da União como meta de médio prazo, um ajuste ao redor de não menos do que R$ 1,3 trilhão no caso específico dela, o que demonstra mais uma vez como estamos deveras encrencados.

Para completar o drama, note-se que tudo o mais considerado, sobrariam apenas 3,1% residuais do total, que, no mesmo ano, foram destinados à infraestrutura (2,2%) e outros custeios (0,9%) — ou seja, praticamente zerados. Por conta disso é que, conforme apurei, os investimentos públicos consolidados em infraestrutura, na União, estados e municípios, variaram à taxa média de -5,4% a.a. em 2010-22, viabilizando apenas a irrisória taxa média de crescimento do PIB, pelos padrões brasileiros, de 1,2% a.a. no mesmo período.

Para acreditar que essa encrenca é realmente séria, o problema só se mostra realmente gigantesco quando se adicionam as demais esferas de governo a todo o raciocínio feito até agora. Com efeito, se considerarmos estados e municípios, o peso dos gastos previdenciários se mostra realmente imenso, bastando considerar que a taxa real média de seu crescimento foi nada menos do que 12,5% a.a., no caso dos municípios, e 5,9%, no dos estados, na última década.

Por causa disso, com a adição de estados e municípios, o passivo atuarial total aumentaria para R$ 5,3 trilhões, um verdadeiro escândalo. Para completar, fica certo que se nada for feito para evitar isso, os investimentos públicos em infraestrutura tenderão rapidamente a estar zerados e o PIB não crescerá mais do que a média recente, bem próxima de 1% a.a. E o emprego que se dane…

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A cronologia da tragédia no Rio Grande do Sul

Em pouco mais de uma semana, mais de 400 municípios gaúchos tiveram bairros inteiros engolidos por uma chuva que não parava de cair.

A maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul já deixou pelo menos 145 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.

Mas como a situação escalou para as cenas trágicas vistas nos últimos dias?

A BBC Brasil elaborou uma cronologia do drama vivido pelos gaúchos para ajudar a entender a crise.

29 de abril: Primeiro alerta vermelho

Desde o dia 27 de abril, áreas no Vale do Rio Pardo, na região central do Estado, já sofriam com fortes chuvas e granizo.

Mas foi em 29 de abril que o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu o primeiro alerta vermelho de volume elevado de chuva.

As chuvas foram resultado de uma combinação de fatores, entre eles uma massa de ar quente sobre a área central do país, que bloqueia a frente fria que está na região Sul e faz com que a instabilidade fique sobre o Estado, causando chuvas intensas e contínuas.

Aliado a isso, o período entre o final de abril e o início de maio de 2024 ainda tem influência do fenômeno El Niño, responsável por aquecer as águas do Oceano Pacífico, contribuindo também para que áreas de instabilidade fiquem sobre o Estado.

Tudo isso foi potencializado pelo aquecimento global, que torna os eventos climáticos mais frequentes e cada vez mais potentes.

30 de abril: Primeiras mortes

No dia seguinte, foram registradas as primeiras cinco mortes da tragédia gaúcha.

Foram duas na cidade de Paverama, uma em Pantano Grande, uma em Encantado e uma em Santa Maria.

Dezoito pessoas estavam desaparecidas naquele momento e 77 municípios eram considerados impactados pela água.

Em Santa Maria, a força da água foi tamanha que destruiu uma ponte.

Uma segunda ponte desabou em Santa Tereza, cidade a cerca de 70 km de Caxias do Sul.

1° de maio: Calamidade pública

No dia 1° de maio, quarta-feira, o cenário piorou dramaticamente.

Já eram 114 municípios e mais de 19 mil pessoas afetadas. O Rio Grande do Sul decretou estado de calamidade pública.

Nesse dia também foram contabilizadas mais cinco mortes, totalizando 10 óbitos.

Metade das vítimas fatais até então era de pessoas idosas.

Entre as causas das mortes estavam descarga elétrica, afogamento e deslizamentos de terra, segundo a Defesa Civil.

2 de maio: Mais mortes

A partir da quinta-feira (2/5), o número de vítimas fatais disparou, com 19 novas mortes registradas em 24 horas.

“Não estamos conseguindo acessar determinadas localidades e sabemos de deslizamentos, de inundações e de pessoas que estão em locais inacessíveis. Infelizmente, esses números vão ainda aumentar”, afirmou o governador Eduardo Leite (PSDB) em entrevista.

Mais de 4.500 pessoas já estavam em abrigos em todo o Estado.

A Defesa Civil advertiu que a barragem da Usina Hidrelétrica (UHE) 14 de Julho, localizada entre Cotiporã e Bento Gonçalves, na Serra do Rio Grande do Sul, estava em processo de colapso. Famílias nas áreas de risco começaram a ser evacuadas.

Veja mais:

Na região metropolitana de Porto Alegre, a Defesa Civil alertou que o Lago Guaíba estava prestes a transbordar de modo “significativo”.

Entre 1° e 2 de maio, a quantidade de chuva era tamanha que sete cidades do Rio Grande do Sul foram ranqueadas entre as que tiveram o maior índice pluviométrico do mundo, medido pelo instituto meteorológico Ogimet.

3 de maio: Mais da metade do Estado afetada

No dia seguinte, já eram 265 municípios afetados, mais da metade do estado.

O Lago Guaíba ultrapassou a marca histórica de 1941 e alcançou o nível inédito de 4,77 metros. Isso causou inundações em diversos bairros da capital gaúcha, incluindo o centro histórico.

A rodoviária e os centros de treinamento do Internacional e Grêmio ficaram debaixo d’água.

A Defesa Civil alertou para rompimento parcial da barragem 14 de Julho e advertiu que moradores de sete municípios da região deveriam sair das áreas de risco e procurar abrigos.

O órgão também colocou o rio Taquari em situação de inundação severa.

O Vale do Taquari é formado por cidades como Estrela, Lajeado, Roca Sales, Muçum, Arrio do Meio e Cruzeiro do Sul – municípios que já haviam enfrentado enchentes no ano passado.

Com tudo isso, as mortes chegaram a 39. Além disso, 68 pessoas estavam desaparecidas.

4 de maio: Mortes já superam as de 2023

No sábado (4/5), o número de mortos ultrapassou o da tragédia ambiental de setembro de 2023 no Estado, quando 54 pessoas morreram em enchentes.

Naquele momento, a estatística chegava a 55, com 74 desaparecidos.

Além dos danos a casas e prédios, a infraestrutura pública também havia sido atingida.

Em 4 de maio eram mais de 400 mil pontos sem energia elétrica e pelo menos 186 municípios sem sinal de internet e telefone.

Mais de 1 milhão de casas estavam sem abastecimento de água.

5 de maio: ‘Cenário de guerra’

Em entrevista coletiva ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governador Eduardo Leite afirmou que o Estado vai precisar de um plano de recuperação semelhante ao Plano Marshall, que reergueu a Europa no pós-2ª Guerra Mundial.

“É um cenário de guerra no Estado. E como cenário de guerra, vai ter que ter também um pós-guerra”, disse Leite.

Naquele momento o governo estadual já havia restabelecido o canal de doações por Pix chamado de SOS Rio Grande do Sul, usado no ano anterior.

As autoridades também criaram contas para doações internacionais.

Em paralelo, centenas de ONGs e grupos espontâneos criados por brasileiros em diversos estados do país e no exterior faziam arrecadações em dinheiro, mantimentos e outros itens de primeira necessidade para serem enviados.

As autoridades locais registravam 78 óbitos e 175 feridos.

Já eram 341 municípios afetados, ou mais de 840 mil pessoas.

6 de maio: Guaíba alcança 5,33 metros

O Guaíba continuou a subir: na manhã de 6 de maio, ele chegou a 5,33 metros, sem dar sinais de recuo.

O aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, foi fechado por tempo indeterminado.

O espaço já estava interditado desde sexta-feira (3/5), quando o nível do Lago Guaíba ultrapassou 5 metros.

Os aeroportos das cidades de Passo Fundo, Caxias do Sul, Pelotas e Santo Ângelo continuavam operando.

Naquele momento, já eram 85 óbitos confirmados, e 385 dos 497 municípios do estado já tinham sido atingidos de alguma forma.

7 de maio: 160 mil desabrigados

Em 7 de maio, o número de desabrigados chegou a quase 160 mil.

A intensidade da chuva começou a diminuir, mas o nível dos principais rios continuava elevado e muitas cidades permaneciam com bairros inteiros sob a água.

Por isso, o número de pessoas obrigadas a deixar suas casas não parava de crescer.

“Tem sido muito triste ver as pessoas desoladas, sem saber exatamente para onde ir, andando sem direção. E sem contato, porque não tem luz, não tem comunicação, não tem sinal de telefone”, relatou Daniel Odrisch, voluntário de um abrigo à agência Associated Press (AP).

8 de maio: Nova frente fria

No dia 8, o nível do Lago Guaíba, na capital gaúcha, já estava em processo de descida, baixando 20 centímetros em 24 horas.

Mas uma nova frente fria chegou ao Estado, derrubou as temperaturas e causou mais chuvas e ventos fortes, além de riscos de raios e trovoadas.

E muitos moradores seguiam em situação dramática. Mais de 500 mil pessoas estavam sem água, incluindo 85% da população de Porto Alegre.

A reportagem da BBC Brasil encontrou uma igreja evangélica funcionando como um abrigo para 66 pessoas e ao menos dez cães na cidade.

O local, por onde já passaram cerca de 110 desalojados, segundo o pastor que coordena o projeto, oferece quatro refeições e banho quente, além de assistência médica e psicológica.

Chorando, Roselaine da Silva contou que está alojada na igreja com os três filhos, um deles autista, e dois cães.

As lágrimas corriam do rosto quando lembrava dos dois gatos que deixou para trás no bairro do Sarandi, na zona norte de Porto Alegre. Os felinos estão no telhado da casa da família, a única parte que não foi engolida pela água.

“Eu não sabia que a água tomaria essa proporção toda. Eles [gatos] estão no telhado, mas são muito ariscos. Meu filho tentou pegá-los hoje, mas não conseguiu. Já chorei muito, me culpo muito por isso. Eu os deixei num local seguro, com água e comida, e mesmo assim aconteceu isso”, disse, emocionada.

9 de maio: Fuga de Porto Alegre

Na quinta-feira (9/5), as notícias eram de mais de 1,7 milhão de pessoas afetadas, com centenas de relatos de famílias desesperadas e sem saber o que fazer diante da tragédia.

Com o desabastecimento, supermercados ficaram lotados de pessoas em busca de água mineral e alimentos básicos.

Ao mesmo tempo, voluntários têm feito a diferença, ajudando a resgatar e abrigar vítimas, e arrecadar e distribuir mantimentos.

Mas o caos também faz muita gente se ver forçada a sair de Porto Alegre.

O repórter gaúcho Luiz Antonio Araújo, colaborador da BBC, é uma dessas pessoas.

“No dia 4 pela manhã, a caixa d’água do condomínio deixou de receber água da rede pública. Nós decidimos ficar em casa enquanto houvesse luz e água da caixa. Mas no dia 7 pela manhã houve uma interrupção total do fornecimento de água e instabilidade da luz. Nós decidimos então vir para o litoral, onde estamos, em Torres, a 150 quilômetros de Porto Alegre, para poder continuar trabalhando.”

10 de maio: quase 2 milhões de pessoas afetadas

Na sexta-feira (10/5), o Rio Grande do Sul contabilizava 126 mortos, 141 desaparecidos e 756 feridos.

Cerca de 1,9 milhão de pessoas foram afetadas em 441 municípios, com 340 mil tendo que deixar suas casas e 71 mil alojadas em abrigos.

11 de maio: volta a chover

O Rio Grande do Sul voltou a registrar chuvas em vários pontos.

Na tarde de sábado (11), o lago havia atingido 4,57, o menor nível desde o início da enchente. À noite, o nível começou a subir.

Segundo medição do Cemaden, choveu entre 25 e 30 mm em Porto Alegre durante a madrugada de sábado para domingo.

As autoridades locais contabilizavam 136 mortos, 125 desaparecidos e 806 feridos. O Estado ultrapassou a marca de 2 milhões de pessoas afetadas em 446 municípios.

Os números oficiais também mostravam que 537 mil tiveram que deixar suas casas e 81 mil estavam alojadas em abrigos.

12 de maio: frio e previsão para os próximos dias

As fortes chuvas continuaram no domingo (12) e deixaram o Rio Grande do Sul em alerta para novas enchentes.

A Defesa Civil do estado e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres (Cemaden) informaram que a situação deve se agravar entre segunda (13) e terça-feira (14), com inundações severas e possíveis deslizamentos.

As áreas afetadas são as mesmas que já foram prejudicadas pelas chuvas que começaram no fim de abril: o centro-norte e o nordeste do estado e a Região Metropolitana de Porto Alegre.

Na capital, o nível do Guaíba deve subir de novo e pode bater 5,50 metros, o que seria um novo recorde.

No sul do estado, a Lagoa dos Patos não para de subir. As enchentes avançam sobre as cidades de Pelotas, Rio Grande e São Lourenço do Sul.

O último boletim divulgado pela Defesa Civil contabilizava 145 mortos e 132 desaparecidos. Mais de 81 mil pessoas estão em abrigos em todo o Estado.

Os dias a seguir serão importantíssimos para determinar o nível dos estragos e o futuro dos moradores.

Segundo previsão do Climatempo, a semana começa com diminuição da chuva e entrada de ar frio de origem polar sobre o Rio Grande do Sul. A chuva vai dar uma pequena trégua aos gaúchos, mas a temperatura caiu muito nos próximos dias e pode ficar abaixo de 0°C nas regiões mais elevadas.

“Vai chegar uma frente fria e entre os dias 16 e 17 as temperaturas podem chegar a patamares muito baixo, com previsão de temperatura abaixo de zero grau na Serra Gaúcha”, diz Francisco de Assis, meteorologista do Inmet.

Segundo o especialista, a expectativa é que o clima se mantenha mais seco até o dia 25 de maio.

“Nesse momento, pode ser que vejamos a água baixar. Pode ser bom para os trabalhos de recuperação”, afirma.

A ecologista Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília, explica que o Rio Grande do Sul sempre foi o ponto de encontro de sistemas tropicais e sistemas polares, o que cria um padrão que inclui períodos de chuvas intensas e outros de seca.

“Essa é uma região onde vamos viver muito mais extremos, segundo os modelos climáticos”, disse a especialista.

“O secretário-geral da ONU sempre diz algo importante: a mudança climática é uma amplificadora de crises. Tudo aquilo que já podia acontecer vai se tornar mais drástico.”

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Ponte ligando Brasil à Bolívia deve sair do papel após mais de 120 anos

O governo brasileiro deve tirar do papel nos próximos meses o projeto de uma ponte que vai ligar Rondônia ao território da Bolívia. O empreendimento é uma demanda histórica que contemplará, ao menos em parte, os acordos previstos no Tratado de Petrópolis, firmado em 1903 durante a compra do Acre pelo Brasil.

A Ponte Internacional de Guajará-Mirim terá 1,2 km de extensão e será construída sobre o rio Mamoré, conectando as cidades de Guajará-Mirim, em Rondônia, e Guayaramerín, na Bolívia. A obra faz parte do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e, segundo o governo brasileiro, fortalecerá a integração na América do Sul.

Trata-se de mais uma conexão terrestre do Brasil com seus vizinhos. No total, segundo o governo, o país tem 12 pontes binacionais —duas estão em construção e outras três são planejadas.

A mais conhecida é a Ponte Internacional da Amizade, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Existem também estruturas que conectam cidades brasileiras a Guiana Francesa, Guiana, Peru, Uruguai, Argentina, além da própria Bolívia

A última inauguração de uma ponte binacional aconteceu em 2017, sob o governo de Michel Temer. Mas a construção da estrutura, que liga Brasil à Guiana Francesa, tinha sido determinada pelo governo Lula, à época em seu segundo mandato, em 2008, após acordo com o então presidente francês, Nicolas Sarkozy.

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No lançamento do edital da ponte de Guajará-Mirim, em 2023, o ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou que a nova estrutura facilitará o acesso do Brasil ao oceano Pacífico, uma vez que mercadorias vão atravessar a Bolívia para alcançar portos no Peru e no Chile. Em tese, a produção brasileira poderia ser escoada para outros continentes com custos menores. O processo de licitação foi lançado em novembro.

Do lado boliviano, os produtores passarão a contar com um corredor logístico para o oceano Atlântico, uma das promessas do Tratado de Petrópolis. “É uma dívida de mais de cem anos do governo brasileiro com a Bolívia. E ao permitir a integração dos países, a ponte também vai desenvolver a região”, afirmou a secretária nacional de Transportes Terrestres, Viviane Esse.

A previsão é de que as obras comecem em 2025 e sejam concluídas em 2027, após 36 meses, com custo inicial de R$ 300 milhões para o governo brasileiro —além da ponte, também estão previstos a instalação de uma aduana e a construção de acessos viários.

O acordo firmado para a construção da estrutura é de 2007, durante o governo Lula 2, mas nunca saiu do papel. O projeto foi elaborado em 2015 pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e atualizado em 2023.

O Tratado de Petrópolis assegurou no começo do século 20 a anexação do Acre pelo Brasil. Em troca, o governo brasileiro teve de pagar dois milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 2 bilhões, em valores atualizados), construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré, que facilitaria o escoamento das exportações bolivianas, além de ceder áreas do Mato Grosso ao país vizinho.

Mais de cem anos depois, ainda reverbera na Bolívia a sensação de que as autoridades da época fizeram um mau negócio. Em 2006, o então presidente Evo Morales chegou a dizer que lamentava o fato de que o Acre havia sido trocado por um cavalo, valendo-se de um mito para criticar o acordo.

Mais do que consolidar o Tratado de Petrópolis e aparar rusgas históricas, a construção da ponte pode alavancar negócios e ainda sinaliza esforços concretos para aproximar e fortalecer a região, afirma Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em integração da América Latina.

“Não existe vácuo nas relações internacionais. Se o Brasil não tomar esse espaço, outro país poderia fazê-lo. A China, por exemplo, está cada vez mais presente na região, inclusive com investimentos em infraestrutura”, diz ela. “É de interesse de Pequim ter acesso às matérias-primas da Bolívia.”

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Segundo o ministro de Obras Públicas boliviano, Edgar Montaño, a obra facilitará a importação de lítio, usado em baterias, e de produtos para a agricultura pelo Brasil. Já as mercadorias brasileiras poderão ter como destino o complexo portuário de Chancay, no Peru, que está sendo construído a 80 km da capital Lima com capital chinês em sua maior parte.

Investimentos do tipo ainda ajudam a aliviar tensões na região, acrescenta Bressan. Nos últimos meses, a América Latina tem enfrentado um momento turbulento, com atritos entre governos de diferentes países.

O atual presidente boliviano é Luis Arce, que virou alvo de críticas de Morales, ainda que ambos sejam do mesmo partido.

Para Roberto Rodolfo Georg Uebel, professor de relações internacionais da ESPM que pesquisa negócios internacionais, o governo Lula tem uma visão pragmática acerca da obra. “O atual governo mantém relações com Javier Milei [presidente da Argentina], com Nicolás Maduro [ditador da Venezuela] e com aquele que for eleito na Bolívia”, diz. “E tenta retomar a integração sul-americana, algo que praticamente havia se perdido desde o governo de Dilma 2 [2015 e 2016].”

Lá fora

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Ainda que possa impulsionar o comércio, a Ponte Internacional de Guajará-Mirim é alvo de críticas e de questionamentos. De acordo com o site InfoAmazônia, a ponte será construída em uma das regiões mais desmatadas da Amazônia, próxima de terras indígenas e de unidades de conservação.

Em nota, o DNIT disse que novos estudos ambientais ainda vão ser elaborados e que, a partir do material, serão conhecidos os impactos e definidas medidas para mitigação deles.

A cronologia da tragédia no Rio Grande do Sul

Em pouco mais de uma semana, mais de 400 municípios gaúchos tiveram bairros inteiros engolidos por uma chuva que não parava de cair.

A maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul já deixou pelo menos 126 mortos e afetou mais de 1,9 milhão de pessoas.

Mas como a situação escalou para as cenas trágicas vistas nos últimos dias?

A BBC Brasil elaborou uma cronologia do drama vivido pelos gaúchos para ajudar a entender a crise.

29 de abril: Primeiro alerta vermelho

Desde o dia 27 de abril, áreas no Vale do Rio Pardo, na região central do Estado, já sofriam com fortes chuvas e granizo.

Mas foi em 29 de abril que o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu o primeiro alerta vermelho de volume elevado de chuva.

As chuvas foram resultado de uma combinação de fatores, entre eles uma massa de ar quente sobre a área central do país, que bloqueia a frente fria que está na região Sul e faz com que a instabilidade fique sobre o Estado, causando chuvas intensas e contínuas.

Aliado a isso, o período entre o final de abril e o início de maio de 2024 ainda tem influência do fenômeno El Niño, responsável por aquecer as águas do Oceano Pacífico, contribuindo também para que áreas de instabilidade fiquem sobre o Estado.

Tudo isso foi potencializado pelo aquecimento global, que torna os eventos climáticos mais frequentes e cada vez mais potentes.

30 de abril: Primeiras mortes

No dia seguinte, foram registradas as primeiras cinco mortes da tragédia gaúcha.

Foram duas na cidade de Paverama, uma em Pantano Grande, uma em Encantado e uma em Santa Maria.

Dezoito pessoas estavam desaparecidas naquele momento e 77 municípios eram considerados impactados pela água.

Em Santa Maria, a força da água foi tamanha que destruiu uma ponte.

Uma segunda ponte desabou em Santa Tereza, cidade a cerca de 70 km de Caxias do Sul.

1° de maio: Calamidade pública

No dia 1° de maio, quarta-feira, o cenário piorou dramaticamente.

Já eram 114 municípios e mais de 19 mil pessoas afetadas. O Rio Grande do Sul decretou estado de calamidade pública.

Nesse dia também foram contabilizadas mais cinco mortes, totalizando 10 óbitos.

Metade das vítimas fatais até então era de pessoas idosas.

Entre as causas das mortes estavam descarga elétrica, afogamento e deslizamentos de terra, segundo a Defesa Civil.

2 de maio: Mais mortes

A partir da quinta-feira (2/5), o número de vítimas fatais disparou, com 19 novas mortes registradas em 24 horas.

“Não estamos conseguindo acessar determinadas localidades e sabemos de deslizamentos, de inundações e de pessoas que estão em locais inacessíveis. Infelizmente, esses números vão ainda aumentar”, afirmou o governador Eduardo Leite (PSDB) em entrevista.

Mais de 4.500 pessoas já estavam em abrigos em todo o Estado.

A Defesa Civil advertiu que a barragem da Usina Hidrelétrica (UHE) 14 de Julho, localizada entre Cotiporã e Bento Gonçalves, na Serra do Rio Grande do Sul, estava em processo de colapso. Famílias nas áreas de risco começaram a ser evacuadas.

Veja mais:

Na região metropolitana de Porto Alegre, a Defesa Civil alertou que o Lago Guaíba estava prestes a transbordar de modo “significativo”.

Entre 1° e 2 de maio, a quantidade de chuva era tamanha que sete cidades do Rio Grande do Sul foram ranqueadas entre as que tiveram o maior índice pluviométrico do mundo, medido pelo instituto meteorológico Ogimet.

3 de maio: Mais da metade do Estado afetada

No dia seguinte, já eram 265 municípios afetados, mais da metade do estado.

O Lago Guaíba ultrapassou a marca histórica de 1941 e alcançou o nível inédito de 4,77 metros. Isso causou inundações em diversos bairros da capital gaúcha, incluindo o centro histórico.

A rodoviária e os centros de treinamento do Internacional e Grêmio ficaram debaixo d’água.

A Defesa Civil alertou para rompimento parcial da barragem 14 de Julho e advertiu que moradores de sete municípios da região deveriam sair das áreas de risco e procurar abrigos.

O órgão também colocou o rio Taquari em situação de inundação severa.

O Vale do Taquari é formado por cidades como Estrela, Lajeado, Roca Sales, Muçum, Arrio do Meio e Cruzeiro do Sul – municípios que já haviam enfrentado enchentes no ano passado.

Com tudo isso, as mortes chegaram a 39. Além disso, 68 pessoas estavam desaparecidas.

4 de maio: Mortes já superam as de 2023

No sábado (4/5), o número de mortos ultrapassou o da tragédia ambiental de setembro de 2023 no Estado, quando 54 pessoas morreram em enchentes.

Naquele momento, a estatística chegava a 55, com 74 desaparecidos.

Além dos danos a casas e prédios, a infraestrutura pública também havia sido atingida.

Em 4 de maio eram mais de 400 mil pontos sem energia elétrica e pelo menos 186 municípios sem sinal de internet e telefone.

Mais de 1 milhão de casas estavam sem abastecimento de água.

5 de maio: ‘Cenário de guerra’

Em entrevista coletiva ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governador Eduardo Leite afirmou que o Estado vai precisar de um plano de recuperação semelhante ao Plano Marshall, que reergueu a Europa no pós-2ª Guerra Mundial.

“É um cenário de guerra no Estado. E como cenário de guerra, vai ter que ter também um pós-guerra”, disse Leite.

Naquele momento o governo estadual já havia restabelecido o canal de doações por Pix chamado de SOS Rio Grande do Sul, usado no ano anterior.

As autoridades também criaram contas para doações internacionais.

Em paralelo, centenas de ONGs e grupos espontâneos criados por brasileiros em diversos estados do país e no exterior faziam arrecadações em dinheiro, mantimentos e outros itens de primeira necessidade para serem enviados.

As autoridades locais registravam 78 óbitos e 175 feridos.

Já eram 341 municípios afetados, ou mais de 840 mil pessoas.

6 de maio: Guaíba alcança 5,33 metros

O Guaíba continuou a subir: na manhã de 6 de maio, ele chegou a 5,33 metros, sem dar sinais de recuo.

O aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, foi fechado por tempo indeterminado.

O espaço já estava interditado desde sexta-feira (3/5), quando o nível do Lago Guaíba ultrapassou 5 metros.

Os aeroportos das cidades de Passo Fundo, Caxias do Sul, Pelotas e Santo Ângelo continuavam operando.

Naquele momento, já eram 85 óbitos confirmados, e 385 dos 497 municípios do estado já tinham sido atingidos de alguma forma.

7 de maio: 160 mil desabrigados

Em 7 de maio, o número de desabrigados chegou a quase 160 mil.

A intensidade da chuva começou a diminuir, mas o nível dos principais rios continuava elevado e muitas cidades permaneciam com bairros inteiros sob a água.

Por isso, o número de pessoas obrigadas a deixar suas casas não parava de crescer.

“Tem sido muito triste ver as pessoas desoladas, sem saber exatamente para onde ir, andando sem direção. E sem contato, porque não tem luz, não tem comunicação, não tem sinal de telefone”, relatou Daniel Odrisch, voluntário de um abrigo à agência Associated Press (AP).

8 de maio: Nova frente fria

No dia 8, o nível do Lago Guaíba, na capital gaúcha, já estava em processo de descida, baixando 20 centímetros em 24 horas.

Mas uma nova frente fria chegou ao Estado, derrubou as temperaturas e causou mais chuvas e ventos fortes, além de riscos de raios e trovoadas.

E muitos moradores seguiam em situação dramática. Mais de 500 mil pessoas estavam sem água, incluindo 85% da população de Porto Alegre.

A reportagem da BBC Brasil encontrou uma igreja evangélica funcionando como um abrigo para 66 pessoas e ao menos dez cães na cidade.

O local, por onde já passaram cerca de 110 desalojados, segundo o pastor que coordena o projeto, oferece quatro refeições e banho quente, além de assistência médica e psicológica.

Chorando, Roselaine da Silva contou que está alojada na igreja com os três filhos, um deles autista, e dois cães.

As lágrimas corriam do rosto quando lembrava dos dois gatos que deixou para trás no bairro do Sarandi, na zona norte de Porto Alegre. Os felinos estão no telhado da casa da família, a única parte que não foi engolida pela água.

“Eu não sabia que a água tomaria essa proporção toda. Eles [gatos] estão no telhado, mas são muito ariscos. Meu filho tentou pegá-los hoje, mas não conseguiu. Já chorei muito, me culpo muito por isso. Eu os deixei num local seguro, com água e comida, e mesmo assim aconteceu isso”, disse, emocionada.

9 de maio: Fuga de Porto Alegre

Na quinta-feira (9/5), as notícias eram de mais de 1,7 milhão de pessoas afetadas, com centenas de relatos de famílias desesperadas e sem saber o que fazer diante da tragédia.

Com o desabastecimento, supermercados ficaram lotados de pessoas em busca de água mineral e alimentos básicos.

Ao mesmo tempo, voluntários têm feito a diferença, ajudando a resgatar e abrigar vítimas, e arrecadar e distribuir mantimentos.

Mas o caos também faz muita gente se ver forçada a sair de Porto Alegre.

O repórter gaúcho Luiz Antonio Araújo, colaborador da BBC, é uma dessas pessoas.

“No dia 4 pela manhã, a caixa d’água do condomínio deixou de receber água da rede pública. Nós decidimos ficar em casa enquanto houvesse luz e água da caixa. Mas no dia 7 pela manhã houve uma interrupção total do fornecimento de água e instabilidade da luz. Nós decidimos então vir para o litoral, onde estamos, em Torres, a 150 quilômetros de Porto Alegre, para poder continuar trabalhando.”

10 de maio e a perspectiva de chuva no fim de semana

Na sexta-feira (10/5), o Rio Grande do Sul contabilizava 126 mortos, 141 desaparecidos e 756 feridos.

Cerca de 1,9 milhão de pessoas foram afetadas em 441 municípios, com 340 mil tendo que deixar suas casas e 71 mil alojadas em abrigos.

Os dias a seguir serão importantíssimos para determinar o nível dos estragos e o futuro dos moradores.

A previsão é que o Rio Grande do Sul volte a sofrer com temporais. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as chuvas devem ser mais intensas no centro-leste e nordeste do estado.

A região metropolitana de Porto Alegre, já muito atingida pelas enchentes, também deve registrar grandes volumes de chuva até a próxima segunda.

Francisco de Assis, meteorologista do Inmet, explica que a previsão é de trégua na chuva a partir do dia 14.

“Vai chegar uma frente fria e entre os dias 16 e 17 as temperaturas podem chegar a patamares muito baixo, com previsão de temperatura abaixo de zero grau na Serra Gaúcha”, diz à BBC.

Segundo o especialista, a expectativa é que o clima se mantenha mais seco até o dia 25 de maio.

“Nesse momento, pode ser que vejamos a água baixar. Pode ser bom para os trabalhos de recuperação”, afirma.

A ecologista Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília, explica que o Rio Grande do Sul sempre foi o ponto de encontro de sistemas tropicais e sistemas polares, o que cria um padrão que inclui períodos de chuvas intensas e outros de seca.

“Essa é uma região onde vamos viver muito mais extremos, segundo os modelos climáticos”, disse a especialista.

“O secretário-geral da ONU sempre diz algo importante: a mudança climática é uma amplificadora de crises. Tudo aquilo que já podia acontecer vai se tornar mais drástico.”

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Presidente do Comitê Brasileiro de Clubes detalha papel da entidade

Vinte e seis das 27 unidades da Federação se orgulham de terem levado, pelo menos, um atleta aos Jogos Olímpicos em mais de 100 anos de história. A exceção à “regra” é o caçula Tocantins, criado em 1988. Os números de uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) apontam para a participação de mais de 4.200 competidores e explica como eles e elas são formados nas 440 cidades contribuintes. Existe um trabalho coletivo por trás, de captação, desenvolvimento e projeção. Um dos braços responsáveis por fazer a engrenagem funcionar continuamente, e não apenas a cada quatro anos, é o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC).

A entidade, sediada em Campinas (SP) e com escritório em Brasília, é a responsável por desenvolver e implementar a política de formação de atletas, por meio de apoio aos clubes. O trabalho tocado desde 1990 impacta diretamente esportes inclusos, ou não, no programa olímpico. Prova disso é o desempenho recorde do país nos Jogos. Em Tóquio-2020, 77% das medalhas e seis dos sete ouros foram conquistados por personagens forjados em instituições registradas. Em entrevista ao Correio, o presidente do CBC, Paulo Maciel, ressalta, a 77 dias da abertura da versão francesa da Olimpíada, o objetivo de aumentar a presença no evento mais nobre do calendário esportivo e colocar o Brasil, em breve, no patamar das potências.

Em Tóquio-2020, 88% dos atletas brasileiros eram de clubes vinculados ao CBC. Esperam índice maior em Paris-2024?

Nosso objetivo para os Jogos de Paris-2024 é continuar fortalecendo a presença dos atletas ligados aos clubes do CBC na delegação brasileira. Embora não tenhamos uma meta específica de percentual, estamos empenhados em ampliar nossa representatividade e contribuir para o sucesso do Time Brasil. Com investimentos contínuos em infraestrutura esportiva, capacitação técnica e apoio aos nossos clubes formadores, alcançamos bons resultados, não só nos Jogos Olímpicos, mas também no desenvolvimento do esporte no Brasil de forma geral.

É possível termos clubes formadores de modalidades como skate, surfe, breaking dance e escalada?

Entendemos que cada modalidade possui particularidades, cultura e demandas específicas. Essa diversificação do cenário esportivo nacional é fundamental para ampliar o acesso ao esporte e fortalecer a base de talentos em nosso país. Acreditamos que todas as modalidades têm potencial para se adequar à realidade dos clubes formadores.

Qual é a relevância e o impacto das Olimpíadas no trabalho do Comitê Brasileiro de Clubes?

As Olimpíadas são o ápice do esporte mundial e têm uma relevância imensa para o trabalho do CBC. É um evento que coloca o esporte em destaque na mídia, atraindo novos adeptos e inspirando gerações. A performance dos atletas serve de exemplo para as crianças e jovens que sonham em seguir carreira no esporte. O reflexo do trabalho dos clubes no desempenho dos atletas é evidente, pois é nos clubes que os atletas desenvolvem habilidades, recebem treinamento especializado e competem regularmente em níveis nacionais e internacionais. O apoio dos clubes integrados ao CBC contribui significativamente para a preparação e o sucesso dos atletas nos Jogos Olímpicos. Dessa forma, esse evento representa não apenas uma oportunidade para os atletas demonstrarem talento e dedicação, mas também é o resultado do trabalho árduo e do investimento dos clubes formadores ao longo do tempo.

Qual é a relação do CBC com Brasília? Hoje, quantos clubes e quantos atletas da cidade estão registrados no comitê?

A relação do CBC com Brasília é muito importante e representativa. Atualmente, temos 28 clubes e já são mais de 3 mil atletas beneficiados.

Quantas medalhas acredita que os atletas vinculados ao CBC trarão de Paris?

Prefiro não arriscar. Mas tenho muita confiança em nossa delegação. Estamos confiantes de que teremos um desempenho excelente. Toda cadeia esportiva no Brasil trabalha duro para oferecer o suporte necessário aos nossos atletas e maximizar suas chances de sucesso.

Como é a atuação dos demais países em relação aos clubes formadores? Existem mais “CBCs” por aí? Estamos muito atrás das potências?

A atuação dos demais países em relação aos clubes formadores difere. Nos Estados Unidos, por exemplo, a cultura de formação está muito enraizada nas universidades, diferentemente de países europeus, como a França, que possui muito mais essa raiz clubística. Podemos dizer que estamos constantemente buscando formas de nos manter competitivos e fortalecer nosso sistema esportivo, para chegar aos mesmos patamares dessas potências olímpicas.

Como funcionam os repasses do CBC? Clubes do tamanho de Flamengo, Pinheiros e Minas tendem a receber mais do que os de menor impacto?

Os repasses do CBC são distribuídos de forma equitativa e meritocrática, levando em consideração diversos pontos em cada clube. Instituições de maior impacto como Flamengo, Pinheiros e Minas, que desenvolvem um número maior de modalidades esportivas e, consequentemente, possuem maiores resultados a nível nacional e internacional para o Brasil, podem receber mais recursos. Mas todos os clubes integrados têm acesso ao apoio financeiro e técnico.

O CBC atua com projetos sociais para a captação de novos atletas? Qual é o papel socioeducativo exercido pela entidade?

O CBC não atua diretamente na implementação de projetos sociais para a captação de atletas, mas apoia os clubes integrados que desenvolvem iniciativas nesse sentido. Reconhecemos a importância do esporte como ferramenta socioeducativa e incentivamos os clubes a promoverem programas que visem a inclusão social, a formação integral e o desenvolvimento de jovens talentos.

Quais são os benefícios da adesão ao CBC. No total, quantos clubes estão vinculados, hoje, à entidade? Todos estão aptos a receber recursos?

O CBC atua no repasse de recursos às entidades que fazem parte do Programa de Formação de Atletas do CBC, destinados para áreas específicas, chamadas de eixos: eixo de recursos humanos, materiais e equipamentos esportivos, e competições. Nos eixos de recursos humanos e materiais e equipamentos esportivos, os clubes recebem recursos repassados por meio de editais. Dentro do eixo de competições, o programa oferece a aquisição de passagem aéreas, para atletas e equipes técnicas, para participação em CBI — o Campeonato Brasileiro Interclubes. Todos do programa recebem benefícios a depender da categoria de integração.

Como imagina essa participação visando Jogos Olímpicos como de Los Angeles-2028 e Brisbane-2032?

O CBC trabalha sempre planejando e pensando no futuro. Para os jogos de 2028, 2032 e além, nosso objetivo é continuar investindo na formação de atletas e na infraestrutura esportiva do país por meio dos pilares que são os clubes, visando alcançar resultados cada vez maiores.

Recentemente, o futsal entrou no rol de esportes apoiados pela entidade. Há previsão da inclusão de outros, principalmente do programa olímpico?

O futsal vem ao encontro de uma nova iniciativa do CBC, que é ampliar e promover uma significativa evolução no Programa de Formação de Atletas, buscando abraçar um espectro mais amplo e representativo do esporte nacional. Esse entendimento abre caminho para abraçarmos esportes amplamente praticados e amados em nosso país, como o futsal e várias outras modalidades.

Existe alguma relação do CBC com o Congresso Nacional para fortalecer políticas públicas voltadas à ampliação da revelação de atletas?

O CBC mantém uma relação próxima com todas as entidades importantes para o fomento do esporte no Brasil, e com o Congresso Nacional não é diferente. Estamos sempre buscando fortalecer políticas públicas voltadas para a ampliação do desenvolvimento do esporte no país e que contribuam para a revelação de atletas por meio dos clubes.

Você foi reeleito recentemente de forma unânime. Como avalia a continuidade do modelo de gestão dos últimos anos?

Fiquei muito feliz e satisfeito com minha reeleição, pois demonstra que estamos no caminho certo e também evidencia que há uma confiança na continuidade do modelo de gestão dos últimos anos. Acredito que essa estabilidade é fundamental para o sucesso do trabalho em qualquer instituição.

Qual é o papel das mulheres no organograma do CBC?

A integração e a participação das mulheres são fundamentais para o CBC. Sem dúvidas, a presença feminina em nossos colegiados fortalece a instituição, trazendo diferentes perspectivas e contribuindo para a construção de um ambiente mais inclusivo e diversificado. A partir do nosso próximo mandato, todos os colegiados de direção do CBC, incluindo o colegiado de direção, o conselho fiscal e comissão de ética, passarão a contar com, no mínimo, 30% de participação feminina, conforme a nova Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023).

Como é a relação do CBC com confederações e federações brasileiras? Há apoio?

O CBC mantém uma relação de apoio e colaboração com as confederações e federações esportivas. Trabalhamos em parceria para fortalecer o esporte nacional, e de forma direta com as confederações e ligas nacionais, com as quais, além de outras ações, também apoiamos e desenvolvemos em conjunto os calendários anuais dos Campeonatos Brasileiros Interclubes.

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Para obras em encostas, governo destina R$ 1,7 bilhão

O governo federal destinou de R$ 1,7 bilhão para projetos de contenção de encostas no Brasil, dentro do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para o Rio Grande do Sul, em situação de calamidade pelas enchentes que mataram mais de 100 pessoas, serão R$ 152 milhões somente para as encostas. Os recursos estão dentro de um total de R$ 18,3 bilhões, divulgados ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nas próximas semanas, o governo divulgará, também, um aporte do Novo PAC para a drenagem.

Apesar do investimento, o programa anunciado não será a principal ferramenta para financiar a infraestrutura contra enchentes no Rio Grade do Sul. Segundo o ministro das Cidades, Jader Filho, mais de 200 municípios atingidos no estado nunca tiveram alagamentos. Assim, por não estarem classificados como áreas de risco, não eram elegíveis para a seleção do Novo PAC.

“Só no Rio Grande do Sul, mais de 200 municípios que hoje estão em estado de emergência, antes desse evento climático, não estavam em áreas de risco. Eles não poderiam sequer participar do critério de seleção do PAC para encostas e drenagem”, explicou Jader Filho.

Dos R$ 18,3 bilhões anunciados ontem para todo o país, R$ 10,6 bilhões são destinados à renovação da frota de veículos; R$ 5,3 bilhões para a urbanização de favelas; R$ 400 milhões para o abastecimento de água na zona rural; e R$ 313 milhões para regularização fundiária urbana — além do R$ 1,7 bilhão para as encostas.

Jader destacou que foram aceitas para o PAC as propostas apresentadas para contenção de deslizamentos no Rio Grande do Sul — duas em Porto Alegre e uma em Santa Maria, no total de R$ 152 milhões. A próxima seleção, que deve ser anunciada ainda este mês, terá R$ 4,8 bilhões para obras de financiamento em todo o país, mas privilegiará cidades gaúchas.

A próxima fase do Novo PAC não incluirá as cidades que não constam da relação de áreas de risco hidrológico e geológico. A inclusão é realizada por órgãos como a Defesa Civil e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

No anúncio das medidas, Lula classificou que a calamidade no Rio Grande do Sul é “um aviso para todos nós” sobre o perigo das mudanças climáticas. “Não sei o que aconteceu no planeta Terra, mas o que ocorreu no Rio Grande do Sul é um aviso para todos nós. Precisamos ter a noção de que a Terra está cobrando. A gente não tem dimensão dela (enchente) ainda. A gente só vai ter dimensão do que foi esse desastre climático quando a água voltar à normalidade”, afirmou o presidente.

Lula lembrou, ainda, que investir em infraestrutura não dá votos. “Esse negócio de enterrar manilha, para catar dejetos humanos, não é correto. O ideal é fazer ponte e viadutos, porque dá para colocar o nome do parente, do homenageado, e as pessoas veem. As pessoas não levam em conta que quando a gente faz investimento em uma encosta, se está garantindo que pessoas não mais vão morrer em deslizamento de terra nesse país”, frisou.

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, definiu como se dará o acompanhamento pela Corte do emprego dos recursos a serem destinados à recuperação das dezenas de cidades atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Em reunião com deputados da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, Dantas informou aos parlamentares que serão criados três eixos de fiscalização — e definiu quem serão os ministros relatores na Corte responsáveis por cada um deles.

Os gastos e despesas referentes à contratação e transporte ficará a cargo do ministro Vital do Rêgo. “É uma das partes mais importantes porque vai envolver licitações realizadas pelo governo federal, pelos estados e pelos municípios. É uma parte que vai pegar também rodovia e recuperação do aeroporto (Salgado Filho)”, disse Dantas.

As questões que tratam de ação da Defesa Civil ficarão sob a fiscalização do ministro Augusto Nardes, ex-parlamentar do PP, que é gaúcho. E o terceiro eixo apresentado pelo presidente do TCU trata da questão fiscal — o Congresso aprovou o decreto legislativo que reconheceu o estado de calamidade pública no estado e que também irá flexibilizar a destinação de recursos para e acelerar o repasse de verbas para ao Rio Grande do Sul.

“É uma questão fiscal, já aprovada pelo Congresso, que permitiu a mitigação do primário na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o limite de gastos para esse ano vai ficar fora. Vamos acompanhar para não haver o comprometimento da dívida pública ou algo do gênero”, disse Dantas, que destacou o ministro Jhonatan de Jesus para fazer esse acompanhamento.

Presidente da Comissão de Fiscalização, o deputado Joseildo Ramos (PT-BA) aposta no trabalho conjunto com o TCU na fiscalização da aplicação do dinheiro público na recuperação do Rio Grande do Sul.

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Artigo: Dois lados da catástrofe

O que houve com a humanidade? Onde estão a empatia, a comiseração, o altruísmo, o respeito? Acabo de ler que vândalos, marginais, saqueiam lojas, atacam barcos de resgate e ameaçam socorristas no Rio Grande do Sul. Na Arena do Grêmio, tomada pela enchente, larápios arrebentaram a porta da loja oficial do clube e fizeram um “limpa”. A insegurança levou muitos voluntários a desistirem dos trabalhos de resgate durante a noite. Nas redes sociais, a extrema direita despeja fake news relacionadas a uma das maiores tragédias climáticas da história do Brasil. Propala uma inexistente inação do governo federal, calunia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aproveita a catástrofe para tumultuar da forma mais rasteira possível. Politicalha não cabe em um momento de horror, de luto e de sofrimento. Atitudes criminosas devem ser coibidas com todo o peso da lei.

No meio de todo esse lixo, gente que perdeu tudo. Não apenas bens materiais e patrimônios, mas memórias afetivas. Pior: crianças órfãs de pai e mãe, pais que viram seus bebês serem engolidos pela água, seres humanos obrigados a escolher qual dos filhos será resgatado. Ainda bem que atitudes nobres e dignas ofuscam a banda podre da humanidade. Em questão de dias, uma imensa corrente de solidariedade tomou conta de todo o Brasil. Um país irmanado na dor do povo gaúcho. O momento exige união de todas as forças políticas e de movimentos sociais em prol dos flagelados. Proselitismo político precisa ser tratado com o máximo rigor. Quem pretende tirar proveito de uma tragédia merece nada menos do que pena.

Quando as águas baixarem; os mortos forem contados e sepultados dignamente; e o processo de limpeza das cidades e a reconstrução da infraestrutura estiverem concluídos, será o momento de as autoridades e os especialistas traçarem medidas efetivas de mitigação. Ações emergenciais que, caso possível, reduzam as perdas humanas e materiais provocadas pelas inundações. É fato que as chuvas torrenciais e as enchentes serão eventos cada vez mais comuns no Sul e em outras regiões do Brasil. O poder público tem a obrigação de planejar estratégias para facilitar o escoamento da água ou proceder com a retirada de populares de modo antecipado. Também aprimorar mecanismos de combate ao aquecimento global, medida essencial para diminuir o impacto das catástrofes ambientais.

Quanto aos vândalos, aos disseminadores de fake news e aos aproveitadores da desgraça alheia, que fiquem sob os cuidados da Justiça. Seria ótimo se o Congresso aprovasse leis mais rígidas para punir crimes cometidos no âmbito de uma tragédia como a que se abate sobre o Rio Grande do Sul. Atacar embarcações e ameaçar socorristas é o que há de mais degradante na estirpe humana. É tripudiar sobre o sofrimento alheio. É estar desprovido de todo e qualquer senso de pertencimento à sociedade, afetada em sua totalidade pela catástrofe. Que Deus se compadeça dos quase 100 mortos e de seus familiares. Que dê ao Rio Grande do Sul força e coragem para enfrentar momentos tão difíceis.

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Programas de governo no RS não abordaram chuvas e prevenção de desastres

O cenário devastador no Rio Grande do Sul, decorrente das piores chuvas já registradas em território gaúcho, escancarou a vulnerabilidade do estado diante de eventos climáticos extremos menos de um ano após temporais que assolaram o estado. Mas a prevenção a desastres naturais e o combate a enchentes passaram longe do roteiro dos principais políticos do estado nas últimas eleições.

A equipe da coluna consultou os programas de governo submetidos pelo governador Eduardo Leite (PSDB) e pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de 2022 e 2020, respectivamente, e constatou que a prevenção a desastres e a possibilidade de eventos climáticos extremos não foi mencionada nenhuma vez nos documentos.

Até o fechamento desta reportagem, as autoridades do Rio Grande do Sul confirmavam 85 mortes em função das chuvas. O drama humano não deve retroceder nos próximos dias: o avanço de uma frente fria na Região Sul deve provocar novas chuvas no estado e 85% da população da capital está sem abastecimento de água.

No entanto, apesar da escala inédita da destruição no Rio Grande do Sul, o desafio não é uma novidade. Além das chuvas históricas deste ano e de 2023, tanto a capital quanto outras regiões do estado já haviam sido afetadas por outros eventos extremos nos últimos anos.

Em julho de 2020, por exemplo, um ciclone afetou mais de 30 municípios gaúchos e provocou cheias no Lago Guaíba e no rio Jacuí, que hoje apresentam níveis de cheia sem precedentes. Leite já comandava o estado na ocasião e Melo estava na pré-campanha para a prefeitura de Porto Alegre.

A resposta a esse tipo de tragédia, porém, não esteve na pauta dos últimos ciclos eleitorais. Temas correlatos como a prevenção a enchentes e políticas de habitação e infraestrutura que pudessem ajudar a mitigar o problema também ficaram de fora.

Ao longo das 58 páginas do plano de governo do governador tucano, reeleito em 2022, a referência mais próxima é uma menção genérica à implementação de um “planejamento metropolitano e das aglomerações urbanas” no tópico de infraestrutura.

Já o programa de Sebastião é mais enxuto, com 17 páginas, e também não se debruça sobre a prevenção de desastres naturais. No campo do meio ambiente, o emedebista se limitou a defender a despoluição das águas do Guaíba.

No contexto nacional, a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu de forma genérica no plano apresentado em 2022 o “enfrentamento” e o “combate” à crise climática. Não listou iniciativas ou projetos.

A única proposta mais concreta, a de instalar a Autoridade Nacional de Segurança Climática para organizar as políticas para o clima, foi firmada fora do programa oficial e nunca saiu do papel.

A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, sancionada em 2012 durante o governo Dilma Rousseff, prevê a divisão de responsabilidades entre União, estados e municípios dividam responsabilidades tanto no enfrentamento a emergências quanto nos esforços de prevenção.

Ao governo federal compete, por exemplo, a manutenção de sistemas de informações e monitoramentos de desastres. Já governos estaduais devem implementar planos para as Defesas Civis e monitorar áreas de risco, enquanto prefeituras devem fiscalizar áreas de risco e organizar abrigos provisórios e avaliar prejuízos resultantes de tragédias.

A crise atual colocou o presidente, o governador e o prefeito sob o escrutínio público. Lula foi cobrado pelo prefeito Sebastião Melo a acelerar o repasse de verbas federais para o estado e os municípios gaúchos. Melo, por sua vez, enfrenta uma situação dramática na capital a cinco meses da eleição, na qual disputou um segundo mandato.

Já o governador reagiu às críticas sobre uma suposta inação da gestão estadual dizendo que “não era hora de buscar culpados”, em uma entrevista ao ao lado de Lula e dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

As lacunas nos planos de governo refletem a distância entre o núcleo das campanhas eleitorais e as urgências impostas pela crise climática, uma dinâmica que se repete na condução de políticas públicas.

O orçamento da Defesa Civil gaúcha para 2024, por exemplo, sofreu uma redução de 7,5% em relação ao ano passado, como mostrou o colunista do Valor Econômico Bruno Carazza. O corte da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul foi chancelado pelo governador Leite mesmo sob a memória recente das chuvas que deixaram 54 mortes em 2023.

Nós procuramos o governador Eduardo Leite e o prefeito Sebastião Melo e as equipes de comunicação das gestões estadual e municipal, mas não recebemos retorno até a publicação deste texto.

Diplomacias de Brasil e China comemoram meio século de relação bem azeitada

As diplomacias do Brasil e da China celebram, com satisfação, os 50 anos de relações oficiais entre os países. O marco é comemorado oficialmente em 15 de agosto, data na qual, em 1974, o então presidente Ernesto Geisel anunciou a retomada do diálogo diplomático que havia sido suspenso em 1949, depois da Revolução Chinesa. Para celebrar meio século de laços comerciais e políticos, os dois lados intensificaram os contatos e articulam a vinda do presidente Xi Jinping.

Integrantes do Itamaraty ouvidos sob reserva pelo Correio comentaram que os dois países têm uma série de interesses comuns, especialmente no desenvolvimento, na indústria e, mais recentemente, na transição energética. Frisaram, porém, que o Brasil não deixa de defender seus próprios objetivos e que a relação é essencialmente pragmática. Um símbolo desse pragmatismo é a própria retomada diplomática, em 1974.

Além dos 50 anos de relações, celebra-se, também, as duas décadas de criação da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), instalada em 2004, responsável por orientar os programas desenvolvidos pelas duas nações. O colegiado é liderado pelos vice-presidentes brasileiro e chinês, respectivamente Geraldo Alckmin e Han Zheng.

Alckmin confirmou que participará da próxima reunião do grupo, em Pequim, em 5 e 6 de junho. Será a primeira vez, desde a pandemia, que o encontro será presencial. “A relação Brasil-China é um caso de sucesso. Quais são os setores prioritários (na parceria)? Chegamos à conclusão de que são todos”, comentou ele, durante evento para celebrar a data, organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e pela Academia Chinesa de Ciências Sociais (Cass). “Nesse ponto histórico de relacionamento bilateral, a China espera alçar as relações sino-brasileiras a novos patamares. Vamos expandir nossa cooperação nas áreas de vanguarda. Uma parceria de caráter estratégico em ciência, tecnologia limpa e inovação”, acrescentou o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao.

A expectativa no Itamaraty é de grandes anúncios no encontro da Cosban, como a possível a vinda de Xi Jinping ao Brasil. Os diplomatas chineses são vistos como profissionais e pragmáticos, com postura semelhante à dos brasileiros — duros na negociação. Eles vêm aumentando a pressão para que o Brasil integre oficialmente a Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), um programa trilionário de investimentos em infraestrutura liderado pelos chineses. O primeiro convite chegou em 2018.

Nova investida de Pequim foi feita no ano passado, às vésperas da viagem de Lula à China, mas a adesão não ocorreu — frustrando as expectativas do governo chinês. No início do ano, o ministro de Relações Exteriores da China, Wang Yi, reforçou o convite e propôs a integração de investimentos com o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). A diplomacia brasileira, porém, não crê que haja necessidade de aderir oficialmente à ICR, pois o Brasil atrai investimentos chineses em infraestrutura em volume e tecnologia.

Para Alckmin, o comércio exterior é justamente “o maior campeão” da parceria. A maioria dos produtos vendidos pelo Brasil são commodities — como café, soja, carnes, minério de ferro e petróleo. No sentido inverso, Pequim remete produtos de alto valor agregado, como eletrônicos, máquinas, medicamentos e fertilizantes, com a vantagem de terem baixo custo.

“Não é como a gente gostaria que fosse. Eles querem continuar dominando. O governo brasileiro tem que ter o cuidado para que essa oferta de produtos chineses não desestimule a indústria local. Isso é um problema sério”, comenta o economista Newton Marques, doutor em economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF).

A parceria Brasil-China, porém, passou por maus momentos. Como, por exemplo, no governo de Jair Bolsonaro, quando tanto o ex-presidente quanto o chanceler à época, Ernesto Araújo, fizeram numerosas acusações ao parceiro comercial. Em um dos ataques, Bolsonaro acusou a China de ter se beneficiado da pandemia da covid-19, pois criara o vírus em laboratório como uma forma de “guerra bacteriológica”. Ainda no cenário de conflito ideológico, o ex-presidente e seus apoiadores tentaram desqualificar a parceria entre o Instituto Butantã e a farmacêutica Sinovac, que desenvolveram em conjunto o imunizante CoronaVac — chamavam-na de “vachina”.

Outro ponto de tensão foi a demora na adoção da tecnologia 5G. Bolsonaro e integrantes do governo acusaram a China de usar a banda de internet para espionagem, o que não foi comprovado, e ameaçaram vetar empresas chinesas no setor de participar na concorrência — tal como fizeram Austrália e Canadá, que vetaram a Huawey. A proibição, porém, não aconteceu.

A verborragia ideológica não foi suficiente para prejudicar a relação econômica. A então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, criou um grupo dentro da sua pasta para fomentar o comércio dos produtos agropecuários entre brasileiros e chineses. Mas outros projetos não avançaram.

“Certamente esse período adiou muitas iniciativas, mas não prejudicou as relações de maneira profunda. Ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi muito bem recebido na China, especialmente depois da piora nas relações diplomáticas no governo Bolsonaro”, avaliou o coordenador de Comércio Internacional da BMJ consultores associados, Josemar Franco

» Tecnologia espacial — Um dos grandes expoentes da parceria são os Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres — CBERS na sigla em inglês. O sistema começou a ser criado em 1988 e monitora a região amazônica por sinais de queimadas e desmatamento ilegal. A sexta geração da tecnologia está em desenvolvimento e o protocolo de elaboração foi assinado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping, em 2023, e pode entrar em órbita a partir de 2028. Um diplomata ouvido pelo Correio lembrou que, no início do acordo, o Brasil tinha uma tecnologia de satélites mais avançada do que a chinesa.

» Audiovisual — O Brasil foi homenageado no Festival de Cinema de Pequim, em 22 de abril, representado pelo secretário-executivo adjunto do Ministério da Cultura (MinC), Cassius Rosa. No ano passado, a ministra Margareth Menezes assinou um acordo de cooperação com a Administração Nacional de Rádio e Televisão da China (NRTA) para a produção conjunta de conteúdos audiovisuais.

» Agronegócio — A China é o maior mercado mundial do Brasil, responsável pela compra de 53% da soja exportada. Em 2023, o país importou 2,2 milhões de toneladas de carne — US$ 8,2 bilhões. Ao todo, 36,1% das vendas brasileiras do agronegócio seguiram para a China, contra apenas 2,73% em 2000.

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