A selva do trânsito: um terço dos acidentes no Rio é entre motos e carros

A disputa de pistas por carros e motos, no Rio, tem feito com que o número de acidentes aumente, deixando cada vez mais feridos e mortos. E também vítimas de homicídio em brigas nas quais não há vencedor. Um desses casos aconteceu em Mesquita, na Baixada Fluminense, no dia 21 de maio deste ano, quando Neemias Francisco, de 24 anos, foi morto a tiros. Câmeras de segurança mostram que, após ser atingindo por um carro vermelho que vinha na direção contrária, o rapaz retornou e emparelhou com o automóvel. Conforme testemunhas, o motorista disparou, inicialmente, dois tiros: um deles atingiu uma das pernas de Neemias, que caiu de costas, e o outro pegou numa parede. Depois, mais duas balas perfuraram seu corpo.

Na última quinta-feira, outra morte foi registrada na verdadeira selva que é o trânsito no Rio: um acidente entre dois carros e uma moto na Linha Amarela, na altura de Bonsucesso, na Zona Norte da capital, acabou com o óbito do motociclista.

Dados do Corpo de Bombeiros mostram que nas vias e estradas fluminenses, colisões entre os dois tipos de veículos aumentaram de 9.785, no primeiro semestre de 2023, para 11.966 (mais 22%), em igual período deste ano. Um número que corresponde a quase um terço de todos os acidentes de trânsito contabilizados no estado em 2024 (cerca de 35 mil). A corporação informa que a Avenida Brasil, a Linha Vermelha e a Linha Amarela, todas na capital, lideram as batidas entre carros e motos.

Luta por Justiça

Em Mesquita, em meio a dor da perda recente do marido, Maria Eduarda Francisco, de 20 anos, tenta se manter forte e seguir a vida. Junto com o primo de Neemias e a esposa dele, Fernando e Stefani, conseguiu inaugurar uma loja de açaí, sonhada pelo motoboy. Já os planos de concluir a construção de sua casa estão suspensos, e Maria Eduarda continua morando com a sogra.

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Título: A tentativa de reconstruir a vida após o assassinato do marido

Subtítulo: O Globo – Rio

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— É impossível não me lembrar do Neemias todos os dias. Mas fiz aquilo que ele mais queria, que era montar a loja. Ele foi assassinado por nada. Nada justifica tirar a vida de uma pessoa assim. Deus é que está me sustentando —diz a jovem. — O que luto, hoje, é para que seja feita Justiça.

Acusado de matar o motoboy, o subtenente do Corpo de Bombeiros David da Silva Silveira, em depoimento na Delegacia de Homicídios da Baixada, alegou legítima defesa. Segundo o Tribunal de Justiça, David está preso preventivamente no Grupamento Especial Prisional do Corpo de Bombeiros-RJ e teve a denúncia oferecida pelo Ministério Público. O processo corre sob segredo de Justiça.

— Espero que o assassino pague pelo que fez e seja expulso da corporação. O lema dos Bombeiros é salvar vidas, não tirar vidas — desabafa Maria Eduarda.

O advogado de David não foi localizado. A defensora Luciana Fernandez, que o acompanhou na audiência de custódia, também foi procurada. Por nota, a Defensoria informou que “não vai se pronunciar sobre o caso no momento”.

Ex-BBB Juninho: lição há 20 anos

Motoboy e mototaxista como Neemias, o ex-BBB Juninho recomenda paciência no trânsito, independentemente de estar pilotando uma moto ou dirigindo um carro. Uma lição que aprendeu há 20 anos, quando foi fechado por um taxista, que pretendia pegar uma passageira que se encontrava em um ponto de ônibus e fez sinal, na saída da Urca:

— Fui obrigado a fazer uma freada brusca e quase bati na traseira dele. Encostei do lado dele e falei: “isso tudo por causa de uma passageira; quase faz eu bater em você de bobeira”. Ele me xingou, e eu o xinguei de volta. Eu tinha 22 anos, e acabado de tirar a carteira. O taxista não pegou a passageira, começou a jogar o carro em cima de mim; estava muito a fim de briga. A sorte é que apareceu um policial. Percebi naquele dia que poderia não ter voltado para casa, e minha filha tinha acabado de nascer. O para-choque do motociclista, infelizmente, é o corpo.

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Título: Ex-BBB recomenda: ‘Tenha paciência no trânsito’

Subtítulo: O Globo – Rio

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Nessas duas décadas, Juninho (batizado Antônio Carlos da Silva Júnior) sofreu mais dois acidentes. No primeiro, estava com a mãe de sua filha na garupa, na Lapa. Para não atropelar uma pessoa que atravessava a rua, jogou sua moto na calçada, batendo num carro estacionado. No último, foi atingido por um motorista que avançou o sinal vermelho, parou, admitiu o erro e acionou o seguro.

Para o ex-BBB, estar certo no trânsito não quer dizer muita coisa. Ele ensina:

— É melhor ser feliz do que estar certo. Tenha paciência no trânsito. Pense no seu próximo, que às vezes pode estar em casa esperando você. Vamos nos respeitar. Um trânsito seguro é melhor para todo mundo.

Uma regra seguida pelo presidente da Associação dos Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro (AMO-RJ), Carlos Maggiolo, que na semana retrasada, por volta de 7h, foi fechado por um motorista na Avenida Borges de Medeiros, na Lagoa. Freou, derrapou, e por pouco não caiu. Ele vinha pelo chamado corredor (entre duas faixas de rolamento) — o artigo do Código de Trânsito Brasileiro que proibia o uso do espaço por motos foi vetado.

— Não fui atrás para discutir. Nem sei se quem me fechou foi um homem ou uma mulher — conta. — Vi a morte de perto. Ainda bem que eu vinha devagar e atento.

Motoristas de carro, por outro lado, também se queixam de maus motociclistas. Rafael Coelho teve há três meses o retrovisor de seu automóvel quebrado.

— O motociclista saiu correndo. Fiquei no prejuízo. O que percebo é que o carioca está sem paciência no trânsito — afirma Coelho, que trabalha como motorista de aplicativo há três anos e não poupa outros condutores: — Há poucos dias um carro bateu no meu e ainda nem consertei. Rodo para todo o lugar, e na Baixada temos que estar atentos às vans.

Papito: defesa da paz no trânsito

Outro ex-BBB, Papito (Ayrton Lima) planeja voltar a dirigir carro de aplicativo no mês que vem, no horário da noite. Ele, que também é analista de sistemas, está sem rodar no aplicativo há três anos. E já sabe como vai trabalhar, diante da violência no trânsito:

— Não pode ter guerra; é paz.

Amigo de Papito, o ex-policial civil Luiz Gustavo de Alcântara, motorista de aplicativo há nove anos, concorda:

— A gente tem sair sem medo, mas não pode querer guerra com ninguém. Hoje, está todo mundo à flor da pele, nervoso. Você tem que sair de casa pedindo a proteção divina. A rua está uma selva e tem uma rivalidade. A moto veio, praticamente, para quebrar o motorista de aplicativo. A corrida é mais barata e mais rápida.

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Título: ‘Não pode ter guerra; é paz’ diz Papito

Subtítulo: O Globo – Rio

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Motos: crescimento de 26,5%

Colisões à parte, como se fossem donos do pedaço, motociclistas e motoristas ocupam espaços não destinados a eles e ignoram normas de trânsito. Não é raro encontrar um deles trafegando na contramão, em alta velocidade ou sobre calçadas, bem como buzinando impacientemente ou circulando com o escapamento aberto. Eles também são flagrados desrespeitando corredores BRS, vagas de idosos e faixas onde o estacionamento é proibido. E ainda promovendo “rolezinhos” (grupos, em geral de motociclistas, que promovem algazarra de madrugada) e rachas (corridas nas ruas, sobretudo de carros).

O Detran revela que, embora o número de motos no estado seja bem inferior ao de automóveis, o crescimento desses dois veículos em circulação seguiu ritmo bem diferente. Enquanto a quantidade de motocicletas teve uma escalada de 26,5% (de 1,2 milhão para quase 1,6 milhão), a de carros teve um incremento de 4,5% (de 5,1 milhões para 5,3 milhões), de 2020 para junho de 2024 . Um contrate com a frota total, que subiu 9,7% no período.

Quanto às infrações, o órgão de trânsito contabilizou 420 mil cometidas por motos no estado no primeiro semestre deste ano, o que corresponde a 15,1% de todas as multas aplicadas. Os carros cometeram 1,7 milhão de infrações neste período (62,8% do total).

Porta-voz do Corpo de Bombeiros, o major Fábio Contreiras ressalta que o aumento de motocicletas nas ruas começou no início de 2021, quando o serviço de entrega em domicílio se intensificou com a flexibilização das restrições por conta da pandemia de Covid-19. Acrescenta que, este ano, com a oficialização do mototáxi, passou-se a observar um volume muito grande de motos transportando passageiros.

— Quanto mais veículos temos nas ruas, mais acidentes. Pelo custo e rapidez, as pessoas estão preferindo pegar o transporte por aplicativo de moto em vez de carro. Temos ações de prevenção, mas é normal que esse número cresça à medida em que o de veículos aumenta — analisa. — Uma orientação técnica é que os motociclistas evitem utilizar os corredores, apesar de se observar que essa é uma prática comum.

No primeiro semestre deste ano, os Bombeiros contabilizaram mais acidentes que incluíam pelo menos uma moto do que os em que tiveram um carro entre os envolvidos: 24.156 contra 21.653, somando colisões, quedas, atropelamentos e capotagem. Na manhã da última quarta-feira, cinco motocicletas bateram na Avenida Ayrton Senna, na Barra, deixando três feridos.

No caso do motoboy e mototaxista Igor Muniz, de 25 anos, um acidente sofrido há dois anos, na Gávea, deixou sequelas. Ele conta que um carro jogou em cima dele. Igor caiu e quebrou os dois braços — o esquerdo tem uma enorme cicatriz, e está com os movimentos limitados.

— A gente nunca sabe se volta para casa. Às vezes, temos que acelerar um pouco mais, porque quando mais a gente entrega ou transporta passageiros, mais a gente ganha. Por isso, o risco — afirma. — Mas muitos acidentes acontecem por causa do uso do celular. Tem motorista que perde a noção.

Na capital, conforme o Centro de Operações Rio (COR), nos primeiros seis meses deste ano, foram registradas 928 colisões entre moto e carro, que correspondem a 27,5% do total de acidentes de trânsito no mesmo período (3.363).

Membro da ONG Trânsito Seguro e especialista em prevenção e segurança no trânsito, Fernando Pedrosa afirma que existe um conflito cotidiano nas ruas, e que não há inocentes:

— É uma questão de comportamento. Não podemos só penalizar os motociclistas, porque o motorista de carro às vezes também é imprudente, e comete erros. Há uma competição por espaço. Os condutores não aceitam uma divisão equilibrada. Isso é resultado da má formação do cidadão, que começa em casa e se perpetua ao longo da vida, combinada com uma fiscalização precária e uma Justiça lenta.

Coordenador do SOS Estradas e também fundador do Trânsito Amigo, Rodolfo Rizzotto entende que a punição aos infratores tem que se estender à internet:

— Há influenciadores que cometem crimes e infrações, que filmam, publicam nas redes sociais, ganham milhões de visualizações, se tornam celebridades e são remunerados. Existe uma proliferação desse tipo de conteúdo, o que também tem estimulado pessoas a trafegarem em excesso de velocidade e a participarem de “rolezinhos” e rachas. As plataformas e as autoridades de trânsito precisam punir essas pessoas.

Por nota, o Detran RJ, afirma que realiza diariamente ações educativas e operações de fiscalização “com o objetivo de conscientizar motoristas, motociclistas, pedestres e ciclistas para a necessidade de mudança de comportamento no trânsito”. Afirma ainda que “o aumento no número de acidentes e de infrações é atribuído a uma série de fatores, como desrespeito à legislação de trânsito; imperícia, imprudência ou negligência dos condutores; falta de conscientização sobre os riscos envolvidos na condução; aumento expressivo do tráfego de veículos; falhas na infraestrutura viária, entre outros”. E acrescenta: “a sociedade precisa ser chamada a refletir sobre como pode reduzir esses números”.

Confira orientações do Corpo de Bombeiros

Celular. Porta-voz do Corpo de Bombeiros, major Fábio Contreiras, destaca que o trânsito exige uma concentração grande e que, no mundo moderno, uma das maiores distrações de motoristas e motociclistas têm sido o uso do celular, enquanto pilota ou dirige um veículo.

Álcool. Contreiras afirma que, apesar dos esforços da Operação Lei Seca, ainda há pessoas que insistem em consumir bebida alcoólica enquanto dirigem. “Percebemos, em algumas situações de acidentes de trânsito, que tanto motociclistas como motoristas aparentam estar alcoolizados. Isso é fator muito sério, que ajuda a colaborar com os acidentes de trânsito”, observa.

Normas de trânsito. O porta-voz assinala a importância do respeito às normas de trânsito. “Condutores de motos acabam muitas vezes fazendo bandalhas, por achar que não vão atrapalhar o trânsito, porque o veículo é pequeno e não ocupa muito espaço”, exemplifica.

Capacete. O uso do equipamento, lembra o major, é fundamental para que um motociclista não se torne uma vítima grave. “Infelizmente, essa é uma situação que se pega no dia a dia, ao prestarmos socorro. E fundamental que motociclistas e passageiros de mototáxis tenham o cuidado de usar o capacete”, afirma.

Boa técnica. Para os motociclistas, o major recomenda ainda boa técnica na condução do veículo. Ele lembra que, “é importante para quem conduz a motocicleta entender, por exemplo, a função do freio ao avistar uma cena insegura, como um veículo que muda de faixa sem avisar. É preciso pisar no freio com moderação, para evitar derrapagem.

Controle emocional. Segundo Contreiras, o estresse do dia a dia não pode ser levado para o trânsito. É importante evitar brigas e agressões, em caso de acidente. “É responsabilidade de cada um manter a paz no trânsito”, diz.

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